A Bertrand Brasil lançou recentemente a segunda edição (a primeira foi publicada há sete anos) de Jorge Luis Borges: O Homem no Espelho do Livro, de James Woodall (422 páginas), a primeira biografia escrita originalmente em inglês de um dos maiores escritores do século passado. Nascido em 24 de agosto de 1899, o argentino Jorge Luis Borges criou uma vasta obra composta de poesias, contos e ensaios, mas sua importância se deve fundamentalmente a dois excepcionais livros de contos fantásticos: Ficções e O Aleph.
Originário de uma família de classe alta de Buenos Aires, desde cedo Borges demonstrou um grande interesse pela literatura – o qual continuou intenso por toda a vida. Como era comum na época, seus primeiros anos de estudo foram realizados em casa. Apesar da boa condição econômica de seus pais, os Borges moravam no bairro de Palermo, uma região um tanto perigosa da capital argentina. Foi num colégio nas proximidades que o futuro escritor faria seus primeiros estudos: tímido e afeito às leituras, ele passou maus bocados com os outros alunos, na maior parte agressivos e metidos a machões.
A situação para ele melhorou muito quando o pai, que já estava com os primeiros sintomas da cegueira – que viria a ser total anos mais tarde – resolveu se mudar para a família para a Europa e lá fazer seu tratamento oftalmológico. Apesar de os Borges terem passado os anos da Primeira Guerra Mundial na Europa, a temporada por lá foi bastante tranqüila porque eles ficaram em países neutros como a Espanha e a Suíça – e foi também feliz para Jorge Luis Borges, que teve colegas melhores e pôde desenvolver ainda mais seus gostos literários.
Mas o pai do futuro escritor foi ficando com a visão cada vez pior e, como não podia trabalhar, a fortuna da família diminuiu sensivelmente: todos tiveram que voltar a viver em Buenos Aires. Por necessidade, com quase quarenta anos Jorge Luis Borges obteve seu primeiro emprego fixo, na Biblioteca Municipal da Argentina, onde ficou de 1937 a 1946 (ano em que foi praticamente demitido pelo governo peronista, que o escritor odiava). Na Biblioteca seus colegas praticamente não trabalhavam o dia inteiro, e Borges foi meio que obrigado a fazer o mesmo. Isto permitiu que ele conseguisse escrever quase que o dia todo: foi uma época de grande produtividade literária para ele, tanto em termos de quantidade como de qualidade.
Depois deste emprego o escritor passou alguns anos ganhando dinheiro com alguns textos e, principalmente, com palestras sobre literatura – o que não lhe permitia mais do que uma vida modesta. O sucesso veio aos poucos, e Borges só passou a ser reconhecido internacionalmente como um dos maiores escritores vivos no início dos anos sessenta. As últimas décadas de sua vida (ele faleceu em 1986) foram passadas, em grande parte, entre viagens para diversos países, nas quais ele recebia homenagens de governos e universidades.
Se por um lado ele é unanimemente reconhecido como um escritor genial, como ser humano Borges chegava às raias da imaturidade: por exemplo, ele tinha medo de ter relações sexuais (casou-se apenas no final da vida) e era muito dominado pela mãe. O escritor também era tímido, mas conversador, e tinha uma memória espantosa para livros – entre seus autores preferidos não constavam grandes realistas como Balzac e Tolstói, mas na maior parte escritores normalmente considerados menos importantes, como De Quincey, Stevenson e Chesterton. Politicamente Borges tinha algumas opiniões desastrosas, como por exemplo apoiar o regime de Pinochet e o dos generais argentinos.
Jorge Luis Borges: O Homem no Espelho do Livro é uma excelente biografia, escrita com objetividade e clareza. Por outro lado, a vida do autor de Ficções era monótona e tinha pouca relação direta com a sua obra, o que faz com que a leitura do livro de James Woodall só seja mesmo recomendada para os fãs de carteirinha do grande autor argentino.
(Texto publicado no suplemento dominical do jornal O Estado do Paraná em 2006)
0
There are 0 comments