Rubem Fonseca, Knausgard
Literatura

Rubem Fonseca, Knausgard

28 de fevereiro de 2017 0

Eu já tinha ficado bastante impressionado com “A Morte do Pai”, o primeiro dos livros da série autobiográfica “Minha Luta” (epa), do norueguês Karl Ove Knausgard. O segundo, “Um Outro Amor” (Companhia das Letras, 592 páginas), é ainda melhor: o início da relação com sua mulher, Linda, a vida com seus filhos, o início da carreira de escritor, a amizade com Geir e a mudança da Noruega para a Suécia são os principais temas do romance deste escritor espetacular, que consegue descrever um jantar em cinquenta páginas e mesmo assim manter o interesse para seus inúmeros (10% da população da Noruega já leu sua enorme série autobiográfica, para que se tenha uma ideia) leitores.

O livro seguinte da série, “A Ilha da Infância” (Companhia das Letras, 436 páginas), que conta suas lembranças de infância e início da adolescência, por outro lado, mesmo longe de ser ruim, está distante da qualidade dos dois primeiros. Suas longas descrições de brincadeiras e passeios nas florestas próximas de onde vivia não deixam de ter seu interesse, mas os acontecimentos apresentados nos romances anteriores prendem muito mais a atenção. Além disso, o maior drama de “A Ilha da Infância”, a relação com o pai, sádico com os dois filhos, já tinha sido mais bem descrito em “A Morte do Pai”. De todo modo, Knausgard é sempre Knausgard, e a falta de descrição da descoberta do sexo – ele simplesmente descreve fatos anteriores e posteriores a este acontecimento sempre decisivo – é uma mostra da excelência (como se ainda precisássemos de alguma) do norueguês como escritor.

Como os citados acima, também li recentemente dois livros do brasileiro Rubem Fonseca: “Bufo & Spallanzani” (Nova Fronteira, 337 páginas) e “Agosto” (Record/Altaya, 349 páginas).

“Bufo & Spallanzani” é uma espécie de policial farsesco: o escritor Ivan Canabrava (que depois muda seu nome para Gustavo Flávio), gordo e obcecado por sexo, conta suas aventuras como investigador de uma empresa de seguros, seus relacionamentos com mulheres – principalmente Minolta, uma espécie de hippie -, sua vida como escritor e sua temporada num hotel fazenda, onde se retirou para tentar escrever seu livro (chamado, numa brincadeira metalinguística, de “Bufo & Spallanzani”), onde ocorre um dos crimes do romance – o outro é o assassinato de uma amante de Gustavo Flávio, que aparece bem no comecinho da obra.

Os comentários de Ivan Canabrava-Gustavo Flávio são quase sempre divertidos, e o livro é de leitura agradável na maior parte do tempo. Mas “Bufo & Spallanzani” não consegue se decidir se é um policial ou uma brincadeira, e as soluções para os crimes são muito fracas. Serve como diversão, mas o romance é esquecível.

Muito diferente é o thriller policial “Agosto”: contando não só os acontecimentos que levaram ao suicídio de Getúlio Vargas, em agosto de 1954, como algumas histórias policiais fictícias paralelas, o romance prende o leitor do início ao fim e apresenta personagens fortes e bem construídos, como o incorruptível investigador Alberto Mattos, sua amante Salete, e um grande número de políticos, policiais e empresários corruptos (uma boa lição para quem ainda acha que “naquele tempo” – qualquer tempo – tudo era melhor). Rubem Fonseca parece melhor quando não quer fazer graça – “Agosto” não tem um instante irônico que seja.

É mais ou menos comum eu ler uma obra de um autor, não gostar muito e depois não ler mais nenhum livro dele: isso já aconteceu com W.G. Sebald, Paul Auster, Imre Kertész e Émile Zola, por exemplo. Fico me perguntando o que teria acontecido se eu tivesse conhecido Karl Ove Knausgard por “A Ilha da Infância” e Rubem Fonseca por “Bufo & Spallanzani”: provavelmente eu não daria mais nenhuma chance para os dois escritores – e quem perderia com isso seria eu mesmo.

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