“História de Uma Alma – Manuscritos Autobiográficos”, de Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face
Religião

“História de Uma Alma – Manuscritos Autobiográficos”, de Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face

22 de janeiro de 2017 0

Eu gostava tanto de Santa Teresa d’Ávila que, da primeira vez que li “História de uma Alma – Manuscritos Autobiográficos”, da santa francesa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face (1873-1897), mais conhecida entre nós por Santa Teresinha do Menino de Jesus, me senti totalmente frustrado. O que Santa Teresa d’Ávila tinha de exuberante, imponente, profunda e complexa, Santa Teresinha, com seu Pequeno Caminho, parecia apenas sem graça. Mais tarde, li que Sérgio Buarque de Holanda achava que o sucesso dela por aqui se devia à falta de profundidade religiosa do povo brasileiro. Concordei de cara.

Quando o Papa João Paulo II a declarou Doutora da Igreja, o jornalista italiano que estava comentando a cerimônia de investidura para a RAI disse que esta era uma provocação do Papa. Concordei também.

Mas Deus sabe como eu estava sendo injusto.

“História de Uma Alma” é composto por três manuscritos – A, B, e C – escritos a pedido de suas superioras no Carmelo (duas delas suas irmãs) onde a futura santa servia como monja enclausurada.

O primeiro é o mais longo de todos, e conta sua vida até a entrada no Carmelo: a relação harmoniosa com as irmãs e com o pai, a morte da mãe quando ela era ainda muito criança, a viagem de pai e filha até Roma, na tentativa de convencer o Papa a deixar a menina entrar no convento ainda com 15 anos, os estudos, as impressões das coisas ao redor – neste caso, o olhar deslumbrado de Teresa para com a natureza me fez lembrar esta mesma característica presente nos livros do contemporâneo Marcel Proust, francês como ela.

O segundo manuscrito é o mais curto, mas é, provavelmente, o mais importante: é nele que Santa Teresinha descreve o “pequeno caminho”: enquanto outros santos – como Santa Teresa d’Ávila – fazem coisas grandiosas, Santa Teresinha defende que isso não é necessário no caminho para a santidade. Ela poderia ser santa arrumando a casa, tratando bem seus semelhantes, tendo um amor infinito por Jesus.

O terceiro manuscrito é sombrio: a futura santa conta seus problemas com algumas das outras freiras no convento, como algumas antipatias gratuitas e o modo de vencê-las. Mas o mais pesado são as crises de fé que ela sentia, a falta de conexão com o divino:

“Madre querida, talvez vos pareça que exagero minha provação; de fato, se julgais s partir dos sentimentos expressos nas pequenas poesias que compus durante este ano, devo parecer-vos uma alma repleta de consolações e para quem o véu da fé está quase rasgado. Contudo… não é mais um véu para mim, é um muro que se ergue até os céus e que encobre o firmamento estrelado… Quando canto a felicidade do Céu, a eterna posse de Deus, não sinto alegria alguma, pois só canto o quero crer. ”

A partir de então a futura santa passou a esperar apenas sofrimento:

 “Bem sei que eu não teria decepção nenhuma, pois, quando se espera um sofrimento puro e sem mistura, a menor alegria torna-se uma surpresa inesperada e, ademais, vós sabeis, Madre, o próprio sofrimento passa a ser a maior das alegrias quando é buscado como o mais precioso dos tesouros.”

“História de Uma Alma – Manuscritos Autobiográficos” é um mergulho profundo e delicado na vida de uma das mais importantes santas modernas. Nem precisa ser católico para admirar esta obra-prima.

Não custa repetir, Deus sabe como eu estava sendo injusto quando não gostei do livro na primeira vez que o li.

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