Meus discos preferidos: 9. “It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back” – Public Enemy
Música

Meus discos preferidos: 9. “It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back” – Public Enemy

12 de agosto de 2016 0

Eu tinha comprado uma coletânea com músicas de vários grupos de hip hop, da qual constavam duas faixas do Public Enemy: “Sophisticated Bitch” e “Timebomb”. Naqueles longínquos anos 80, quando a Revista Bizz falava bem de algum grupo cujos discos não tinham sido lançados por aqui, não me restava nada senão ficar imaginando o som – ou tentar achar alguma coisa numa coletânea, como no presente caso.

Pois bem: “Sophisticated Bitch” e “Timebomb” rapidamente se tornaram favoritas lá em casa. A primeira tem uma guitarra de rock ao fundo, e a segunda é um pouco mais pesada que o rap que eu ouvia na época – Run D.M.C., Beastie Boys, Eric B. and Rakim e o que mais passasse na frente. É claro que eu ficava imaginando quão maravilhoso deveria ser “Yo! Bum Rush the Show”, o primeiro álbum do Public Enemy, do qual essas duas pepitas tinham sido retiradas (que metáfora ruim, meu Deus).

Bem, nada de “Yo! Bum Rush the Show” ser lançado por aqui, mas o segundo disco do Public Enemy foi e, assim que consegui colocar as mãos em “It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back”, não tive dúvidas em comprá-lo. Já na primeira audição, o choque: parecia outra banda. O disco tinha uma sonoridade irritante, repetitiva: os discursos de Chuck D, os comentários de Flavor Flav – sempre num tom provocativo – e a base instrumental, que frequentemente parecia uma sirene de polícia, me deixavam meio tonto. “Quando é que a música vai começar e parar a gritaria?”, eu me perguntava. “Quando é que essa maldita sirene vai parar?” e “Mas que som esquisito” eram outros pensamentos frequentes durante as audições.

O fato é que esse som totalmente diferente do que eu estava acostumado me atraía ao mesmo tempo em que me causava repulsa. Eu só gostava mesmo, sem restrições, da faixa “She Watch Channel Zero” – não por acaso, percebo hoje, a única com uma guitarra de fundo.

Muitos anos depois resolvi dar uma nova chance para “It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back”, e o negócio bateu. Tudo aquilo que parecia estranho passou a fazer muito sentido. Muito sentido mesmo. Fiquei me perguntando por que aquele som de disco de 1988 parece muito mais atual, por exemplo, do que aqueles do meu grupo de rap favorito da época, Eric B. and Rakim. Tenho uma teoria a respeito (que sei lá se faz sentido), que vou apresentar a seguir.

O fato é que em “It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back”, provavelmente pela primeira vez, o hip hop utilizava uma linguagem totalmente própria: o disco não tem nenhum compromisso com o balanço do funk, com as guitarras do rock, com a doçura do soul, com a melancolia do blues. Os discursos irados de Chuck D e Flavor Flav e a sonoridade insana de Terminator X parecem pouco se importar com o que veio antes. Ideologicamente eles queriam um mundo totalmente novo – polêmico, para dizer o mínimo -, e acabaram criando um som totalmente novo para passar sua mensagem.

A brilhante crítica da Revista Bizz quando do lançamento do disco, escrita por Bia Abramo, já parecia prever a revolução que viria a partir de “It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back”: segundo ela, o Public Enemy era um dos “arquitetos da música dos anos 90” (não esqueçamos que ela escreveu o texto ainda nos anos 80), a qual iria “passar necessariamente pela desconstrução operada pelo hip hop de linha de frente”.

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