Foi meio sem querer que comprei os primeiros discos de Frank Sinatra. Na extinta loja Brenno Rossi sempre havia promoções de discos encalhados, com edição da própria loja. Eu olhei longamente um álbum duplo (era vinil) de Frank Sinatra e outro de Bessie Smith, até decidir pelo cantor apelidado de “A Voz”. Como muita gente na época, eu tinha preconceito pelo cantor de New York, New York e de Strangers in the night… por ele cantar New York New York e Strangers in the night! Estas músicas, na época, me pareciam cafonas. (Na verdade, continuam a me parecer cafonas.) Por que então, comprei Frank Sinatra e não Bessie Smith, que até a Enciclopédia Abril falava bem? Não lembro bem – possivelmente li algo, na época, falando do grande cantor que Frank Sinatra tinha sido. Mas não tenho certeza.
Bem, então cheguei em casa, fui ouvir os LPs… e a surpresa foi enorme! Aquele cantor não se parecia, em nada, com o cantor que eu conhecia e não gostava! Ele cantava baixinho, suave. Sua voz afinadíssima era extremamente prazerosa e relaxante de se ouvir. Frank Sinatra parecia estar sentindo um grande prazer em cantar aquelas belíssimas canções – mas um prazer calmo, de alguém que não tem problemas na vida. E assim continuei a comprar discos de Frank Sinatra, muitos deles. E em quase todas as músicas o Frank Sinatra era o mesmo: um cantor repousante, delicioso de se ouvir, que se houve com um sorriso nos lábios (lembro até que escrevi num quadro de avisos para que comemorássemos o aniversário do cantor…).
Até que um belo dia o suplemento Mais!, da Folha de São Paulo, apresenta Frank Sinatra como matéria de capa, e muitas páginas falando sobre ele e suas canções lá dentro. O tom geral das matérias era o seguinte: normalmente os críticos não gostavam de New York, New York e Strangers in the night (senti-me, obviamente, reconfortado) e diziam que a grande fase de Frank Sinatra foi na Capitol (1953-1960). Bem, fui fuçar nos meus cds e eu não tinha nenhum cd desta época! Os discos que eu tinha eram os da época anterior, na gravadora Columbia. Bem, em seu artigo no Mais!, o grande Rui Castro dizia que na Columbia o Frank Sinatra era apenas um cantor romântico que agradava as meninas, ou coisa parecida, enquanto na Capitol sim “A Voz” chegou no seu ápice, com uma rouquidão e uma intensidade jamais atingidas antes ou depois.
Bem, me senti meio idiota por ter tantos cds de Frank Sinatra, e nenhum de sua fase áurea. Fui procurar nas lojas… e nada! Era por isto que eu não tinha comprado nenhum disco do Frank Sinatra na Capitol: simplesmente não havia edições nacionais de Frank Sinatra desta fase. E então desisti de conhecer o “grande” Frank Sinatra, e o dinheiro não dava para sair comprando importados por aí…
Até que um belo dia, com algum alarde, saiu um best-of dos anos da Capitol, chamado “Classic Sinatra – His Great Performances 1953-1960”, e comecei a entender o porquê desta grita toda em torno das gravações do Frank Sinatra desta época: sua voz ficou mais rouca, suas interpretações muito mais intensas. O que ele perdeu em prazer de cantar ganhou em intensidade dramática (esta intensidade refletia quase que certamente seus fracassos pessoais e profissionais antes de sua chegada na Capitol). Sai o cantor romântico e suave, e entra uma Força da Natureza. Depois deste cd, comprei mais dois, importados, “In the wee small hours” (apenas com músicas tristes – Frank Sinatra na Capitol foi o primeiro sujeito na história a fazer álbuns quase “conceituais”: um só com músicas tristes, outro apenas com dançantes, outro apenas com românticas, e assim por diante) e Songs for young lovers (músicas românticas), numa edição conjunta com Swing Easy! (músicas dançantes junto com uma big band). E assim fui esquecendo o Frank Sinatra da Columbia.
Até que um belo dia fiquei com saudades daqueles discos suaves da Columbia. Puxa vida, eu sou fã de coisas desprezadas por grande parte da crítica, como Limp Bizkit e Korn. Já não estou mais em idade de me levar pelas opiniões dos outros, não é? Então fui tirar o pó daqueles discos da Columbia… e o prazer que senti ao ouvi-los foi o mesmo de anos antes. Músicas como “You are too beautiful”, “Nancy”, “(I don’t have a) ghost of a chance”, “Someone who’ll watch over me” e “Day by day” continuavam tão belas, repousantes e suaves quanto sempre foram. Resumo da ópera: Frank Sinatra pode ter feito Arte com A maiúsculo na Capitol, reconheço. Mas ninguém me tira da cabeça que a sua melhor fase foi na Columbia mesmo…
(texto escrito em 2002)
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