Louise adorava a dança, e aos quinze anos já excursionava na companhia da grande coreógrafa Martha Graham. Saiu de lá após brigar com alguns de seus membros – este tipo de rompimento foi uma constante em toda a sua carreira. Depois de participar de espetáculos de dança em outras companhias, acabou recebendo um convite para fazer um pequeno papel no filme The Street of Forgotten Men, de 1925. Até 1938 participou de 24 filmes americanos, e nestes seus papéis principais foram em Beggars of Life (comWallace Beery & Richard Arlen, de 1928) e em A Girl in Every Port (com Victor McLaglen, de 1928). Em 1928, já reconhecida como grande estrela nos Estados Unidos, vai até a Alemanha estrear o filme que garantiu seu lugar na posteridade: A Caixa de Pandora, do grande diretor austríaco G.W.Pabst. Era um filme mudo na época do início do cinema falado, e este fato, além da “imoralidade” do tema, fez com que o filme fosse recebido friamente nos Estados Unidos. De volta à sua terra natal, Louise Brooks toma uma decisão que arruinaria para sempre sua carreira de atriz: recusa-se terminantemente a dublar suas falas no filme da Paramount Canary Murder Case, que era originalmente mudo mas que estava sendo transformado em sonoro – e no qual ela tinha atuado pouco antes de ir para Alemanha. Esta recusa fez com que o diretor da Paramount na época, B.P.Schulberg, prometesse vingança contra a atriz. Logo depois disto, em 1929, Louise Brooks ainda faria dois filmes como protagonista na Europa, ambos com pouco êxito: Das Tagebuch einer Verlorenen (Diário de uma garota perdida), de Pabst, na Alemanha, e Prix de Beauté, na França. De volta aos Estados Unidos, ela sente o peso da vingança de Schulberg: não só a Paramount não lhe dava mais papéis importantes, como os outros estúdios também passaram virar-lhe as costas. A partir de então só consegue pequenos papéis, e começa a ter sérias dificuldades financeiras. Seu último papel é um Overland Stage Raiders, um western barato, realizado em 1938, com John Wayne em início de carreira. Depois disto, volta para sua terra natal, tenta sobreviver da dança, tenta vários empregos (pode ter trabalhado mesmo de acompanhante), e finalmente volta para Nova Iorque. Em grande parte por seu temperamento difícil (ela dizia que gostava de irritar pessoas) fracassa em tudo que tenta nesta época. Sobrevive principalmente graças a doações de amigos e amantes – uma relação antiga, William Paley, a partir de 1953 lhe dá uma pensão mensal, que pode ter evitado que Louise Brooks se suicidasse.
Completamente esquecida e arruinada, pode-se dizer que Louise Brooks “renasceu” a partir de 1955. Neste ano é feita uma grande mostra de cinema na Cinemateca Francesa, e dois cartazes gigantes mostravam Louise Brooks e Falconetti (atriz principal de A Paixão de Joana D`Arc ,de Dreyer), ambas grandes mitos do cinema que tiveram carreira curta. Perguntado sobre a comparação entre Louise e outros dois ícones de sua era, o chefe da Mostra, Henri Langlois, declarou: “não há nenhuma Garbo. Não há nenhuma Dietrich. Há somente Louise Brooks”. A partir desta mostra, o curador de filmes John Card procura Louise Brooks, conta-lhe de seu sucesso em Paris, ao que ela responde de maneira pungente: o mistério da vida… quem poderia imaginar que você, 30 anos depois, me trouxesse a primeira alegria que eu jamais tive na minha carreira de atriz de cinema. A partir de então, Louise Brooks, que já tinha escrito suas memórias e as jogado ao fogo, começa a escrever artigos para revistas especializadas sobre cinema em geral e suas experiências cinematográficas em particular (estes artigos, mais tarde, foram reunidos no best-seller Lulu em Nova Iorque – Lulu é o nome de seu personagem mais famoso, do filme A Caixa de Pandora). Ela tinha uma grande cultura literária, escrevia muito bem e seus artigos eram grandemente elogiados. Passa a viver em Rochester, Nova Iorque, e começa a ser objeto de culto em todo o mundo. Seus últimos anos foram mais tranqüilos. Ela vivia praticamente reclusa, tinha poucos amigos e, embora muito solicitada, dava pouquíssimas entrevistas. Como tinha feito durante praticamente toda a vida, bebia gim e fumava quase que diariamente. Converteu-se ao Catolicismo e mais tarde abandonou a Igreja. Até o final (faleceu em 1985) seu temperamento continuou difícil, imprevisível – às vezes raivoso, às vezes amável.
O que faz Louise Brooks permanecer objeto de culto, enquanto a enorme maioria das atrizes do cinema mudo foram praticamente esquecidas? Pelo seu filme mais importante, A Caixa de Pandora (infelizmente o único que assisti até hoje, além de um excelente documentário, Louise Brooks – à procura de Lulu), ela chegou a ser criticada, na época, por não transmitir emoções – isto devido ao fato de que, no cinema mudo, a técnica recorrente dizia que se deveria exagerar nas expressões, enquanto que a técnica de Louise Brooks era extremamente natural. Sua interpretação era totalmente moderna, e é por isto que se diz que ela estava muito à frente de seu tempo.
Além disto, A Caixa de Pandora, baseado na peça homônima de Wedekind, é reconhecido unanimemente como uma obra-prima absoluta do cinema. Ele conta a história de Lulu, moça sexualmente liberada que, sem o desejar, causa a desgraça dos homens que se relacionam com ela – o que acaba causando a desgraça dela também. A identificação da personagem com a atriz é impressionante – o próprio Pabst, irritado com Louise Brooks, chegou a dizer-lhe certa feita: se você continuar assim vai acabar como Lulu.
Quando se fala no porquê de sua permanência no tempo, também não se pode esquecer da beleza arrebatadora de seu rosto, de seu olhar penetrante e forte, de seu belíssimo corpo, e mesmo de seu penteado, que era sua marca registrada. Ela era extremamente carismática – é impossível desgrudar os olhos dela quando ela aparece na tela.
Mas possivelmente o segredo de Louise Brooks seja o mesmo de Frank Sinatra: um comentarista, certa vez, disse que quem se deleita com o poder da interpretação da Voz deve estar preparado para saber também que sua força interna era tão enorme que freqüentemente descambava para a violência contra inimigos e desafetos. Ou seja, a sua energia vital era tão imensa que muitas vezes nem ele mesmo, Frank Sinatra, conseguia controlá-la. Louise Brooks, beberrona, promíscua, irascível, impulsiva, irritante, inteligente, belíssima e talentosa, possivelmente era formada com o mesmo material em permanente ebulição de que Frank Sinatra era formado.
(texto escrito em 13-7-2002)
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