O Brasil perdeu a final da Copa de 50 em pleno Maracanã. Na verdade, “final” é o modo de dizer: a primeira Copa do Mundo no Brasil foi a única em toda história das Copas que terminou em um quadrangular. Nele, o Brasil ganhou de 6 a 1 da Espanha (com direito a um estádio inteiro cantando “Touradas em Madri”) e 7 a 1 da Suécia, enquanto que o Uruguai ganhou de 3 a 2 da Suécia e empatou em 2 a 2 com a Espanha. Deste modo, bastava o empate com os uruguaios para o Brasil sagrar-se campeão – mas foi o que se viu: a nossa seleção começou ganhando o jogo, e levou uma virada de 2 a 1 dos uruguaios (que chamam até hoje aquele jogo, ao que consta, de “Maracanazo”). O trauma da derrota foi tão violento que o Brasil mudou até de camisa – que era branca até a derrota na Copa de 1950. Lembro inclusive da minha mãe contando o estado catatônico em que o pai dela, meu avô, ficou depois do jogo. Em 1954 na Suíça, já com a amarelinha, uma derrota acachapante por 4 a 2 contra uma das melhores seleções que o mundo já viu: a Hungria de Puskas, Czibor e Kocsis.
A teoria dominante da época era que o brasileiro não tinha condições de ganhar uma Copa do Mundo. Que éramos uns derrotados por natureza. Que a mistura de raças que formou o povo brasileiro tinha fracassado, já que tanto o português, como o negro e o índio eram povos tristes. Nossa tristeza nos fazia derrotados de cara.
É contra este estado de coisas que se insurgia Nelson Rodrigues em suas brilhantes crônicas sobre a seleção brasileira reunidas em “A pátria de chuteiras”. Segundo o cronista, “qualquer jogador brasileiro, quando se desamarra de suas inibições e se põe em estado de graça, é algo único em matéria de fantasia, de improvisação, de invenção”. Sim, você já viu alguém fazendo este tipo de afirmação em algum lugar: foi uma criação (imortal) de Nelson Rodrigues.
“A pátria de chuteiras” é fascinante tanto pela prosa brilhante e apaixonada do grande cronista e dramaturgo, quanto pelo retrato de uma época. Nelson Rodrigues investe com todas as forças contra os que defendem que o futebol europeu – e inglês em particular – é superior ao brasileiro porque os nossos jogadores “não têm caráter” (a este respeito ele criou uma expressão que ficou famosa, “o complexo de vira-latas”: “a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo”). Para o cronista, ao contrário, os jogadores ingleses são violentos, sem imaginação, arte ou originalidade, e sua seleção usa e abusa de arbitragens tendenciosas. Segundo Nelson Rodrigues, os verdadeiros craques são os brasileiros: ele só lamenta que nossos jogadores sejam tão cavalheiros, apanhando muito e batendo pouco.
Ao final deste brilhante “A pátria de chuteiras”, só podemos agradecer por Nelson Rodrigues não ter visto o 7 a 1: ele não merecia isso.
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