A primeira parte do livro “Tudo que pensei mas não falei na noite passada”, de Anna P., chamada “A conquista de si”, fala só de sexo (de maneira intensa) e mais nada: no capítulo “ABC Oral I” ela cita vários parceiros, e para cada um é reservada uma frase sobre como ele praticava sexo oral nela; “ABC Oral II” é semelhante, mas desta vez é ela que pratica sexo oral nos parceiros; “Planos” é uma conversa erótica pela internet; “Na cama”, “Gosto de ferro” e “Fomento” são curtos e intensos como os minicontos de Dalton Trevisan; “Ontem” descreve uma intensa transa que não houve; “A mulher que me tornei” é a declaração de uma mulher livre sexualmente.
A liberdade sexual da personagem principal é firmemente questionada na parte seguinte do livro, “O percurso”. Composta de uma série de cartas escritas para “Anna” (o mesmo nome da autora) por sua mãe, seu pai e seu ex-marido, este trecho mostra que a personagem principal do livro teve uma mãe ausente e um pai abusivo – ambos de excelente nível cultural, o que não deixa de ser chocante. Em “O percurso”, todavia, o maior destaque vai para a relação de “Anna” com seu ex-marido, que aparentemente foi professor dela na universidade. A história que se desvela nas cartas que ele manda para a ex-mulher – nenhuma das respostas de “Anna” aparece no livro – é que ela queria um casamento aberto, ele não, e isto acabou minando inexoravelmente o casamento deles.
Finalmente, a dificuldade geral com relacionamentos abertos é o tema principal da última parte do livro, “O eu no mundo”. Quase sempre em forma de minicontos, esta parte conta como várias pessoas – inclusive vários homens com os quais, aparentemente, ela se relacionou – arranjam diversas desculpas para não viver plenamente sua liberdade sexual.
A epígrafe da última parte de “Tudo que pensei mas não falei na noite passada”, de Erica Jong, é de especial importância para a compreensão da obra:
O velho sonho da vanguarda, de que o libertando da opressão sexual, libertar-se-ia o ser humano de suas inibições e limitações, murchou. Pensamos estar mais tristes e mais conscientes sobre o que leva à liberdade sexual, mas, na verdade, nunca experimentamos a liberdade sexual. Nós apenas alardeamos o seu simulacro.
Assim como na obra-prima “Limite“, de Mário Peixoto – que conta uma história em imagens que tem de ser montada mentalmente pelo espectador -, a frustração com a quase impossibilidade de vivenciar uma liberdade sexual plena não é contada explicitamente em “Tudo que pensei mas não falei na noite passada” – numa mostra da maestria técnica da autora. Sob qualquer aspecto que se analise, aliás, seu livro é brilhante, escrito com uma intensidade incomum.
De todo modo, não é possível saber quem exatamente é Anna P. Em seu blog, a autora de “Tudo que pensei mas não falei na noite passada” diz que escreve sob pseudônimo porque é mulher, feminista, fala de sexo e não sabe “lidar com ameaças constantes de violência com a coragem e a determinação de mulheres inspiradoras como a Lola Aronovich”. Na mesma página da internet ela também dá a dica de que a sexualidade contada no livro “é a de uma mulher cis, branca, hétero e de classe média”: é a elaboração da experiência da autora.
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