Desde a adolescência, tenho lido esporadicamente livros de Dalton Trevisan (cheguei a escrever algumas resenhas, reproduzidas no meu site). Sempre gostei, mas sempre esqueci assim que os li: aquelas histórias de mundo cão curitibano tinham, para mim, um impacto que se desvanecia rapidamente.
Pouco tempo atrás comprei num sebo duas edições pequenas de Dalton Trevisan editadas pela L&PM, a novela “Mirinha” (lançado em 2011) e a coleção de minicontos “111 ais” (de 2000). Neste ano o escritor curitibano fez 80 anos, a notícia teve destaque nos jornais do Brasil todo (a Folha, por exemplo, fez uma excelente edição especial apresentando detalhes do dia a dia do misantropo Dalton Trevisan), e fiquei com vontade de ler alguma coisa dele.
“Mirinha” conta a história da personagem título, uma moça que tem um caso com um homem casado, é expulsa de casa pelos pais e é sustentada pelo amante. Uma série de acontecimentos fazem com que a moça vire alcoólatra e tenha que se prostituir – e seu temperamento pouco maleável faz com que ela tenha dificuldades cada vez maiores. O famoso estilo seco e direto do escritor – sem absolutamente nada que não seja absolutamente essencial – não impede que sua personagem tenha uma grande profundidade psicológica.
Já “111 Ais” é composto por 111 minicontos – na falta de expressão melhor – de uma página no máximo cada um, alguns compostos por apenas uma frase. Por exemplo, o “Ai” 110:
– Nunca tomei um copo d’água sem dar metade pra ela, que no fim me traiu.
Uma frase que conta uma vida inteira. Dá para imaginar muita coisa a partir deste pequeno “Ai”.
Vários temas são abordados no livro. Entre eles, a violência contra a mulher (“Ais” 103 e 24):
A mulher para a mocinha:
– Mas ele te bate?
– Não. Isso não.
– Então? Está reclamando de quê?
De gênio muito ruim. Brabo e violento, qualquer bobagem bate na gente. Quebra tudo. De mim tira sangue.
– Te mato de arrocho de goela.
Cospe na minha cara. Afoga o pescoço. Me arrasta pelo cabelo. Não é que o puto pede perdão? Arrependido, me beija o pé. Assim a vida da gente.
O despertar sexual na adolescência (“Ai” 62):
Dos teus anos perdidos de escola a única lição para sempre são os joelhos da professora.
A infância (“Ai” 99):
A tipinha de dois anos que passou a tarde com a avó:
– Pai, pai.
– Sim, filhinha.
– Xópi… compra… cartão…
A mesma pessoinha voltando da outra avó:
– Pai, pai.
– O que, filhinha?
– O Senhor é convosco.
Dalton Trevisan deixa espaço até para o lirismo (“Ai” 111):
Amor – esse mesmo dedo amputado que se ergue e te aponta.
À medida que eu ia avançando na leitura, fui ficando mais e mais impressionado com a qualidade literária, com a profundidade psicológica e com o impacto dos textos deste grande curitibano. Muito melhores do que eu lembrava – ou do que eu tinha percebido.
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