Uma pena que o primeiro livro J.M.G. Le Clézio, prêmio Nobel de Literatura de 2008, sobre o qual escrevo seja Révolutions (Gallimard). Sou um grande admirador do autor, e gostava de seus livros antes mesmo de ele ter recebido o Nobel. Suas obras frequentemente têm longos períodos em que nada parece acontecer, mas os finais são tão bonitos que fazem com que o todo faça sentido. Seus livros são plenos de bons sentimentos e poesia – mas nunca sentimentaloides ou apelativos.
Révolutions têm muito do que foi descrito acima, mas a história de Jean Marro, estudante francês que foge da guerra da Argélia indo fazer medicina em Londres, em longos trechos é sem sentido e autoindulgente. Espero ter mais sorte no próximo livro de Le Clézio, e venho contar aqui como foi.
Muito melhor é O avesso da vida, de Philip Roth (Companhia das Letras). O romance conta, de uma maneira caótica e contraditória, a história do escritor judeu americano Nathan Zuckerman (presente em muitos livros de Roth). Em um capítulo o irmão do escritor morre, ao fazer uma operação arriscada para recuperar a virilidade – ele queria fazer sexo com sua amante. No capítulo seguinte o mesmo irmão está vivo e vira um ortodoxo sionista em Israel. Depois, tudo muda de novo. E, o que é mais incrível, a história faz sentido.
O judaísmo, o cristianismo, as relações entre judeus e cristãos, entre sionistas e judeus moderados, entre a Diáspora e Israel – são muitas as discussões e polêmicas deste livro explosivo. Grande escritor, Philip Roth dá voz a todos os personagens e, por mais que imaginemos de que lado ele está numa discussão, nunca é maniqueísta. Ficamos sem saber quem é o mocinho e quem é o bandido, afinal de contas – mas acabamos a leitura mais ricos espiritualmente do que a começamos.
Esta falta de maniqueísmo também aparece em outro livro de Roth, A humilhação (Companhia das Letras). A novela conta a história de Simon Axler, importante ator de teatro que simplesmente perde a inspiração de atuar de uma hora para outra. Ele entra numa depressão profunda, passa por uma clínica psiquiátrica, desiste da profissão e vai passar seus dias sozinho, em sua casa de campo. Acaba encontrando uma mulher homossexual bem mais jovem, Pegeen, por quem se apaixona e vive um tórrido caso de amor.
Qual o verdadeiro caráter de Pegeen? O que ela quer de Simon, exatamente? Os pais dela, afinal de contas, não têm certa razão em querer que a filha evite o caso com um homem tão mais velho e que já viveu uma crise psiquiátrica profunda? Como sempre, nada é fácil quando o assunto é Philip Roth – e Simon Axler sente isto na pele.
Menos trágico, mas um tanto amargo, é How to be good (Penguin – a edição brasileira se chama Como ser legal, da Rocco). No romance, Katie Carr (a narradora) é uma médica num casamento em crise. Seu marido, David, é um sujeito engraçado e mal-humorado que ganha dinheiro fazendo algumas traduções de manuais técnicos e uma coluna num jornal local chamada “O homem mais mal-humorado de Holloway”. Até que um belo dia ele muda completamente de comportamento, quando conhece uma espécie de guru new age chamado GoodNews (boas notícias) e começa a querer ser bom. David e GoodNews passam seus dias tentando mudar o mundo: doam os brinquedos dos filhos do casal, convocam uma reunião com o intuito de que os vizinhos criem jovens que vivem na rua, e por aí vai.
How to be good é um livro agridoce – às vezes triste, às vezes cômico. Nick Hornby não chega a ser genial como Philip Roth, mas nem precisa disso. Seus livros são uma delícia de ler.
Quando comprei o livro, achei que Entre os vândalos, de Bill Buford (Companhia das Letras) fosse como Diário de um skinhead – um infiltrado no movimento neonazista, do jornalista espanhol Antonio Salas (Planeta). Explico: na contracapa de Entre os vândalos está escrito que Bill Buford viveu como um hooligan inglês, se entupindo de cerveja e fish’n’chips. O problema é que o jornalista não chegou a se infiltrar de fato, já que sempre falava para oshooligans que estava lá para escrever sobre ele. No livro de Antonio Salas, por outro lado, o jornalista realmentese infiltrou entre os neonazistas – o que torna aterradoras as suas descrições.
De todo modo, Entre os vândalos é impressionante. Temos uma boa descrição de como vivem e como pensam aqueles ingleses que costumam, como uma horda de hunos, destruir as cidades por onde passam.
(publicado no blog do Mondo Bacana em 10 de outubro de 2010)
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