Começamos pelo melhor: Summertime, do Prêmio Nobel de 2003 J.M. Coetzee (Viking – a edição brasileira se chama Verão, e foi publicada pela Companhia das Letras) é o terceiro volume das “memórias” do autor, e trata de vida de Coetzee na África do Sul, no início dos anos setenta. O livro composto por uma série de entrevistas, feitas por um jovem jornalista, com pessoas que conheceram Coetzee, inclusive uma brasileira pela qual Coetzee esteve apaixonado. Uma das muitas coisas inusitadas em Summertime é que, no livro, Coetzee já está morto, o que na realidade não aconteceu – o grande escritor está vivinho da silva. Outro exemplo é que, no início dos aos setenta, o autor estava casado e com filhos, enquanto que em Summertime ele é celibatário e vive com o pai.
A partir desta premissa falsa, torna-se claro que Coetzee, propositadamente, escreveu uma obra que é um híbrido de ficção e realidade – e o leitor fica sem saber onde começa uma e termina outra.
Summertime mostra um Coetzee estranho, solitário e calado. Uma das mulheres entrevistadas diz que ele passa a sensação de ser “de madeira”, de tão frio que é; em outro trecho é dito que ele é o tipo de pessoa que “não causa nenhuma impressão dos outros”; a brasilera, por quem Coetzee sofre uma paixão avassaladora e patética, se irrita profundamente com ele; e a única relação do autor que parece mal resolvida é com sua prima de primeiro grau, que parece ainda ter mais do que uma queda por ele.
Em Summertime, os depoimentos não chegam a se contradizer, mas frequentemente temos a sensação de ver o autor muito de longe, como se fosse impossivel chegar no “Coetzee real”. É esta sensação geral de mistério e esquisitice que faz com que Summertime possa ser considerada, sem exagero, uma obra-prima.
Para quem está acostumado com o altíssimo padrão literário das obras de Philip Roth, O Fantasma Sai de Cena (Companhia das Letras) não chega a ser uma decepção, mas é um pouco abaixo do que se espera. O romance conta a história da velhice de Nathan Zuckerman, um escritor judeu, personagem que já aparecera em outras obras do autor.
A velhice é um peso terrível para Zuckerman. Impotente devido a um tratamento na próstata, ele se apaixona por Amy, uma jovem escritora casada residente em Nova Iorque que quer trocar de residência temporariamente com o escritor – que mora sozinho no campo. Zuckerman se apaixona perdidamente por Amy, e a descrição crua de seu sofrimento por ter um amor impossível, já que sua impotênca não tem cura, por uma mulher casada, é o ponto alto do livro.
Philip Roth decepciona um pouco na história paralela que descreve no em O Fantasma Sai de Cena: Zuckerman é um grande fã de um autor (fictício) esquecido, E. I. Lonoff, que é objeto de uma biografia sensacionalista a ser escrita por um jovem jornalista, Kliman. As pesadas tintas com as quais Roth descreve os interesses escusos de Kliman ao tentar contar a vida de Lonoff são excessivamente maniqueístas para os padrões de Philip Roth (parece que ele está gritando o tempo todo “vejam como o jornalismo e a sociedade estão corrompidos!!!”). A gente espera mais dele, né?
Confesso que nunca fui muito com a cara de Rudyard Kipling. Sempre ouvi falar que ele era um escritor que defendia os interesses imperialistas da Inglaterra na Índia e isto, por si só, me fazia crer que ele era um escritor menor. Pobre ilusão preconceitusa. O Homem que Queria Ser Rei e Outras Histórias (Clássicos Abril Coleções) é uma maravilha: lendo o livro, entramos no terreno do fantástico, do insólito, do espetacular. Sim, ele é favorável mesmo ao imperialismo inglês na Índia, mas isto é um detalhe insignificante perto da grandeza literária da obra.
Entre os muitos pontos altos deste espetacular livro de contos, poderia destacar O Homem que Queria ser Rei, que conta a história de dois malandros que assumem o poder numa terra distante; Mowgli, o Menino-Lobo, sobre um rapaz que domina os animais; À Beira do Abismo, pugente história de amantes fracassados; Wee Willie Winkie, descrição vívida de um menino adorável; e o triste No Fim do Caminho.
Também de contos é Putas Asesinas (Anagrama – existe uma edição brasileira cujo título é Putas Assassinas, publicada pela Companhia das Letras), de Roberto Bolaño, autor do espetacular 2666, já comentado por aqui.
Putas Asesinas é o segundo livro do autor que eu leio, e como fiquei extremamente impressionado com 2666, comecei o livro com as melhores expectativas. Fiquei no meio termo entre o impressionado e o decepcionado.
Alguns contos lembram 2666, pela temática: Encuentro com Enrique Lihn é a descrição de um sonho; Dentista conta a história de um estranho personagem, um ótimo escritor jovem que mora numa favela; Fotos é a descrição da leitura de um livro no meio do deserto. Outros contos são ótimos, pungentes: El Ojo Silva é sobre a triste história de crianças eunucos na Índia; Últimos Entardeceres em La Tierra é sobre uma viagem de pai e filho. Já Vagabundo Em Francia y Bélgica conta, com maestria, uma bacana história de vagabundagem.
Em outros contos, porém, as histórias são frouxas, e Bolaño não consegue despertar muito interesse no leitor. E por isto minha meia decepção com Putas Asesinas.
(publicado no blog do Mondo Bacana em 2010)
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