Los Hermanos – 2002
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Los Hermanos – 2002

19 de outubro de 2015 0

O Los Hermanos é o grupo do megassuceso Anna Julia – e se tem uma coisa que eles definitivamente não querem ser é a banda da Anna Julia. Na hora de lançar o segundo e muitas vezes fatídico álbum, a gravadora quis um disco com mais dez sucessos semelhantes, para vender bastante e tocar no rádio. O Los Hermanos bateu o pé e quis lançar um álbum chamado Bloco do Eu Sozinho, já, a partir do nome, uma mostra de que eles queriam fazer as coisas do jeito deles. A gravadora, claro, não gostou da brincadeira – mas tudo o que conseguiu foi alterar a mixagem do disco, que acabou saindo praticamente do jeito que o Los Hermanos queria.

Esta teimosia do Los Hermanos acabou tendo resultados surpreendentes. Bloco do Eu Sozinho é o melhor disco de música brasileira em muito, muito tempo. Boa parte da crítica brasileira, inclusive, acha este o melhor disco lançado no mundo em 2001. E isto não chega a ser um exagero.

O Bloco do Eu Sozinho utiliza brilhantemente variações rítmicas numa mesma música, com um grande sentido do crescendo, além de empregar vários instrumentos pouco usuais num disco de rock. É dramático às vezes (Sentimental, a melhor do disco), é hardcore às vezes (Tão Sozinho), é antiquado às vezes (Mais uma canção é uma valsinha), e extremamente divertido às vezes (Cher Antoine é cantado em boa parte em francês – ninguém me convence que não é o trecho de uma lição!). É tenso, como escreveu brilhantemente o Jardel Sebba, e como se pode perceber facilmente em Fingi na hora rir e Todo Carnaval tem seu fim – mas, paradoxalmente, também é repousante, graças às vozes de acalanto de Rodrigo Amarante e Marcelo Camelo. Sem nenhum exagero, não há uma faixa dispensável em Bloco do Eu Sozinho.

As letras são poéticas, complexas, maduras e profundas. Em Adeus você se dá adeus à pessoa amada para que a vida de ambos cresçam, para que a vida siga adiante. Em Veja bem, meu bem o letrista, enquanto o par viaja, arranja alguém chamado saudade. Mais uma canção seria apenas mais uma música de alguém que perdeu a pessoa amada por ter feito besteira – se não fosse tão bem escrita. Em Sentimental Rodrigo Amarante canta De tanto eu te falar, você subverteu o que era um sentimento e fez dele razão… pra se perder no abismo que é pensar e sentir – no final, ele sabe que não vai ter a amada só para ele, mas ele pede que deixem-no fingir… e rir. Em Assim Será Marcelo Camelo canta: Sei que seu fel fenecerá em nome de nós dois… a chuva do céu se encerrará pra ver nosso depois. Como vai ser ruim demais olhar o tempo ir sem ver seus abraços, seu sorriso ou suas rimas de amor.

Deste modo, foi com a melhor das expectativas que eu fui no bar Era só o que faltava para assistir o show do Los Hermanos, em 8 de outubro de 2002. O bar tem três compartimentos: algumas mesas na entrada, depois um outro compartimento meio ao ar livre com mais mesas e o bar, e, finalmente, o local para shows – minúsculo, onde não deve caber mais do que trezentas pessoas de pé, e com um palco bem pequeno.

Eu e a Valeria chegamos bem cedo, nove e pouco. Ficamos no primeiro recinto, jantando, e logo vimos o Marcelo Camelo ali pertinho, conversando com as pessoas! Fomos pegar um autógrafo, que a Valeria pediu para ser dedicado para a nossa filha Teresa, que, com cinco anos, sabe quase de cor as músicas de O Bloco do Eu Sozinho – fato este relatado ao cantor, claro, graças à corujice de seus pais. Camelo me pareceu tímido, mas bem simpático. Depois disto, mais um tempo esperando o recinto para shows abrir, e lá fomos eu, a Valeria e a Ana Paula (que tinha acabado de chegar, pois tinha assistido na casa de uns amigos do pai a derrota do Coritiba para o São Paulo no pay-per-view) correndo lá para dentro. Conseguimos um ótimo lugar, na primeira fila, encostados no palco. O show estava previsto para iniciar às onze da noite. Na verdade o que começou um pouco depois deste horário foi a banda de abertura, Lunnes. Bom guitarrista, ótimo baterista, boa vocalista, um som meio funkeado, legal. O local, sem nenhuma ventilação, estava muito quente. Mas eu, além de estar ansioso com o início do show que viria a seguir, adoro calor – sem problemas, então.

Pouco antes da uma da manhã, finalmente, começa o show.

A primeira música tocada foi A Flor, e o público que lotava o recinto veio abaixo. Todas as pessoas próximas de mim sabiam de cor todas as músicas da banda, ao contrário de mim, que só sabia aquelas de O Bloco do Eu Sozinho (eu também era, possivelmente, o mais velho ali dentro – francamente, só conseguia ficar com pena do pessoal da minha idade que não curte mais estas coisas…) O calor, que já era enorme antes, ficou ainda mais intenso depois do início do show (como estava bem na frente do palco, via como todos da banda suavam em bicas). Os dois cantores barbudos (Amarante e Camelo) não falaram muito entre as músicas – algumas queixas a respeito do calor (isto por que são cariocas!), alguns comentários elogiosos ao público fanático, e um merchandising legal dos produtos à venda (compramos inclusive uma camiseta para mim e um exemplar do segundo cd da banda para a Ana Paula, que não o conhecia). Os dois têm uma postura bem diferente no palco: enquanto Camelo é mais tranquilo, Amarante faz caretas e gestos cômico-dramáticos – se não fosse um grande cantor, apostaria nele para uma carreira de ator. O repertório foi composto por praticamente um número igual de músicas de Los Hermanos, o primeiro álbum (aquele da Anna Julia) e de O Bloco do Eu Sozinho – fora duas covers, de músicas que eu não conhecia: segundo eles, uma da Adriana Calcanhotto e outra dos “Saltimbancos Trapalhões” (isto mesmo). Um pouco antes das duas da manhã o Los Hermanos, segundo Marcelo Camelo, estava chegando no momento “constrangedor” do show, aquele do bis. Ele falou que o show estava “terminando” ali, mas, para nãa fazer aquela cena fingida usual de ir até os camarins e voltar, ele propôs que tocassem mais duas músicas ali mesmo, sem precisar sair. Depois destas duas músicas, o show acabou – Anna Julia, que estava no setlist, não foi executada, e nem foi pedida pela plateia, perfeitamente feliz a esta altura.

Eu sabia que o Los Hermanos é um grande grupo, mas ao vivo é ainda mais surpreendente. Todos as alterações de ritmo, todos os crescendo, fazem ainda mais sentido ao vivo do que no álbum. A banda é extremamente competente – e, para mim, que estava tão próximo deles, foi fácil ver com quanta alegria e prazer eles tocam. Apesar de eu ter preferido, obviamente, ouvir as canções que conhecia, também foi ótimo ouvir as músicas do primeiro álbum. E, ainda que seja um pouco difícil citar um “melhor momento” para o show, eu tenho plena consciência que nunca mais vou esquecer a versão arrebatadora de Sentimental.

Francamente, nunca imaginei que tão pouco tempo depois de escrever esta página do meu diário eu iria ver ao vivo um grupo de rock realmente extraordinário, no auge de sua carreira.

(texto escrito em 10 de outubro de 2002)

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