As inéditas de Moz
Desde 1997 sem lançar músicas inéditas, finalmente Morrissey, para alegria (parcial, afinal de contas não foi lançado nenhum álbum) de seus fãs, cantou músicas novas em sua turnê de 2002. Graças à internet, mesmo os fãs que não assistiram a nenhum show puderam obter os mp3 e as letras das canções no site Ambitious Outsiders. Este site, infelizmente, parece não ter mais este material. As novas canções mostram que Morrissey continua em grande forma. Todas elas têm melodias marcantes e luminosas, além de ótimas letras. A cada vez que escuto uma delas entendo melhor por que poucas vezes me animo com qualquer coisa do chamado britpop: neste gênero (se é que ele faz parte mesmo dele) Morrissey está muito na frente dos outros. De todo o modo, é importante ter em mente que as gravações – pelo menos aquelas a que consegui ter acesso – são ao vivo, e um bom (ou mau) arranjo na hora de gravar no estúdio pode fazer uma grande diferença.
Enquanto o novo álbum não sai – há alguns dias surgiu a notícia de que Moz finalmente teria assinado contrato com um selo, o pequeno Sanctuary (representado no Brasil pelo conglomerado Globo-Jive-Zomba) – você pode saber um pouco mais sobre as novas músicas aqui no Bacana.
“Mexico”: Espécie de homenagem à grande comunidade de fãs latinos, esta lenta canção é pungente ao extremo. A letra, menos simples do que parece, mostra o cantor indo para o México para tomar ar puro – mas mesmo lá ele sente a poluição química americana. Se você acha que basta ser rico e branco para ser feliz, Morrissey te explica que a realidade é diferente: no México ele deitou na grama e chorou, sentindo falta do seu amor.
“The First Of The Gang To Die”: De certa forma, esta também é uma homenagem à comunidade latina fã do cantor. A letra conta a história de Hector, o primeiro da gangue com um revólver na mão e o primeiro da gangue a morrer – que rapaz bobo. Em um belo jogo de palavras, Morrissey conta que “ele roubou do rico e do pobre, e do não muito rico e do muito pobre” (he stole from the rich and the poor and the not very rich and the very poor). Em final contraditório, onde as verdades mostradas anteriormente não se apresentam assim tão definitivas, Morrissey, que havia criticado Hector, conclui que ele levou nossos corações embora. Apesar de contar a história do primeiro da gangue a morrer, a música é bem animada. Como acontecia freqüentemente com os Smiths, onde letras aparentemente tristes eram embaladas por melodias muito alegres.
“I Like You”: Mais uma canção de melodia luminosa, e letra aparentemente quase infantil. O título (“Eu gosto de você”) já é uma declaração de amor. Então ele vai descrevendo, apaixonadamente, como ele vê esta pessoa amada: ele e ela pensam na mesma linha; ninguém que ele conheceu ou conversou sequer se parece com ela; os magistrados hipócritas olham para ela e a inveja os faz chorar. Mesmo com todas estas qualidades, ele tem vergonha de amar esta pessoa. Afinal de contas, ela parece ter deixado dele: como você pôde me deixar depois das coisas que você falou para mim? A maneira com que Morrissey descreve o seu amor em “I Like You” mostra extremamente bem a paixão de uma pessoa insegura – e que não conhecia realmente bem, pelo visto, o objeto do seu amor.
“The World Is Full Of Crashing Bores”: O mundo está cheio de pessoas terrivelmente chatas, canta Morrissey em mais uma canção admirável. Mas ele também deve ser um deles porque ninguém pede para tomar-lhe em seus braços, completa, novamente contraditório e inseguro. O que há na minha cabeça? Poderia ser o mar – com o destino movendo-se atrás de mim. Não, na verdade são apenas mais popstars doentes, mais grossos que bosta de porco, com nada para transmitir, canta, lá pelas tantas, o bardo de Manchester. Em um documentário sobre os Smiths uma grande amiga da época da adolescência de Morrissey disse que ele escrevia letras sob pontos de vista de outras pessoas. Parece ser o caso aqui – como também, quem sabe, seja o caso na canção anterior.
“Irish Blood, English Heart”: O melhor fica para o fim. Uma canção poderosa, extraordinária em todos os sentidos, “Irish Blood, English Heart” (“sangue irlandês, coração inglês” – referência ao fato de Morrissey ser inglês descendente de irlandeses) é um desabafo cantado com raiva. Repetida e injustificadamente acusado, no início dos anos 90, pela NME por racismo e por usar a bandeira britânica em shows (mais tarde outros fizeram a mesma coisa, sem qualquer reação por parte da imprensa especializada), Moz responde que sonha com o tempo quando ser inglês não será pernicioso, quando segurar a bandeira não fará ninguém se sentir envergonhado, racista ou racial. Ele canta que sonha com um tempo em que os ingleses estarão com o saco cheio dos trabalhistas e conservadores, cuspirão no nome de Oliver Cromwell e denunciarão esta família real. Com um extraordinário crescendo e clima épico, “Irish Blood, English Heart” possui melodia quase tão bela e impactante quanto sua letra.
(publicado no Mondo Bacana no início dos anos 2000)
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