Skagboys, de Irvine Welsh
Literatura

Skagboys, de Irvine Welsh

21 de julho de 2015 0

Sick Boy é um manipulador frio e calculista. Faz literalmente qualquer coisa por sexo. Para obter o que quer, chega a iniciar no vício em heroína uma menina de quinze anos que acabara de perder o pai e cuja mãe estava na cadeia. Spud não tem qualquer interesse na vida que não seja a heroína. Mas é um bom sujeito, preocupado com animais, incapaz de fazer mal a quem quer que seja. Renton é um intelectual. Excelente aluno, tinha tudo para se formar com brilhantismo numa universidade de alto nível. Só que largou o curso por causa do vício e isto não chega a ser uma tragédia sob seu ponto de vista, já que quer continuar viciado. Begbie é o único que nunca usa heroína. É um sujeito que gosta de verdade dos amigos e vibra com as suas vitórias. Mas é violentíssimo e costuma quebrar ossos de adversários durante brigas.

Quem leu o romance Trainspotting (de 1993) ou sua continuação Pornô (de 2002), ambos do escritor escocês Irvine Welsh, ou assistiu ao filme Trainspotting – Sem Limites (1996), dirigido por Danny Boyle, conhece as figuras citadas no primeiro parágrafo. Eles são também os protagonistas de Skagboys, lançado originalmente em 2012, cuja tradução brasileira (a cargo de Daniel Galera e Daniel Pellizzari, os mesmos tradutores dos outros dois romances) chegou recentemente às lojas físicas e virtuais pela Rocco.

Skagboys conta a história pregressa de nossos heróis. Se os acontecimentos narrados em Trainspotting se passam no final dos anos 80, o novo romance se desenrola no início daquela década, quando Margaret Thatcher iniciava seu longo – e muitas vezes criticado – mandato de primeira-ministra. Em Skagboys, Irvine Welsh a todo o tempo liga os acontecimentos políticos na Grã-Bretanha da época com a vida dos personagens do livro. A ideia por trás da coisa é mais ou menos a seguinte: o enorme desemprego entre a juventude britânica no início do mandato da Dama de Ferro fazia com que os jovens simplesmente não tivessem o que fazer: a heroína, então, passava a ser uma válvula de escape para o tédio e a falta de perspectivas. É claro que esta justificativa não é a única explicação para o vício dos jovens de Skagboys, e um escritor da categoria de Irvine Welsh jamais cairia num simplismo tão fácil. Mas a ligação entre o desemprego e o vício existe, é claro. E Welsh também estaria errado se a omitisse.

O livro começa com uma forte cena (Skagboys, com quase 600 páginas, é bem mais longo que Trainspotting e é pródigo em cenas marcantes) em que Renton e o pai foram lutar contra os fura-greves de uma das primeiras greves no mandato Thatcher. A passagem de Renton (o personagem principal do livro, do mesmo modo que em Trainspotting) de um adolescente politizado e depois um ótimo estudante universitário para o abismo do vício em heroína é contada com maestria. Renton simplesmente não se arrepende de sua escolha. O que normalmente se ouve falar (em documentários ou em livros como o clássico Christiane F., Drogada e Prostituída) é que viciados em heroína maldizem o seu destino todo tempo. Desde o Trainspotting Welsh conta uma história diferente. Apesar de seus heroinômanos terem vidas realmente degradantes (perdem qualquer noção de higiene, sofrem dolorosamente com síndromes de abstinência, não têm outro objetivo na vida a não ser conseguir a próxima dose), eles parecem gostar da vida que levam. Não se arrependem de terem caído no vício.

E assim, entre chocados e fascinados, continuamos a ler as histórias das vidas de Renton, Spud, Begbie e Sick Boy. Irvine, em uma entrevista recente, disse que está sempre escrevendo sobre eles, que suas histórias nunca estarão completas. Eu só sei que pretendo ler o próximo título da série, conte ele histórias anteriores ou posteriores àquelas apresentadas nos livros já publicados.

(texto publicado no Mondo Bacana em 2014)

0

There are 0 comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *