Eureka
Literatura

Eureka

20 de julho de 2015 0

No prefácio de Eureka – livro que comprei em 1986 e que só li agora (vê se pode) – do grande poeta e contista Edgar Allan Poe, Júlio Cortázar comenta que o grande valor deste estranho ensaio está na poesia: a tentativa de Poe de explicar a criação do Universo com pouquíssima base na física e na matemática seria, segundo W.H.Auden, o mesmo que fazer em inglês e no século XIX o que Hesíodo e Lucrécio haviam feito em grego e latim muitos séculos antes.

A ideia principal de Eureka é mais ou menos o que segue. No princípio, toda a matéria do Universo estava concentrada em uma única Unidade. Um Ato Divino espalhou esta matéria pelo espaço e a ação da gravidade, posteriormente, faria com que toda a matéria tentasse voltar ao estado original por “condensação”. Isto aconteceria por todo o Universo: no Sistema Solar, por exemplo, a condensação faria com que a matéria voltasse, aos poucos, ao seu centro específico (o Sol). À medida que esta condensação acontecia, alguns pedaços iriam se separando: por isto, segundo Poe, Netuno (na época – como hoje, aliás – o último planeta do Sistema Solar) foi o primeiro planeta a se desprender. A condensação continuou, e então Urano surgiu… e assim por diante, até Mercúrio se desprender por último.

A ideia de Netuno ter se desprendido inicialmente da massa original do Sistema Solar foi descartada pela ciência; por outro lado, a ideia de uma massa inicial que se espalhou pelo espaço é a mesma do Big Bang. Mais do que isso, o Ato Divino de Poe é basicamente o que a ciência de hoje chama de Energia Escura, a misteriosa energia que tende a acelerar a expansão do Universo. Atualmente a ideia mais aceita é a de que a Energia Escura fará o Universo se expandir para sempre. Outras teorias, por outro lado, consideram que, dependendo do valor de um coeficiente chamado Constante Cosmológica, o Universo poderia voltar a seu estado inicial, em que toda a massa estaria unida em um único ponto: esta é a teoria do Big Crunch, muito semelhante à que Poe defendia em Eureka.

Mais do que isto, Eureka meio que adivinha várias outras descobertas da ciência moderna: planetas extra-solares, a simetria em leis da física, a teoria do caos, a equivalência entre energia e massa descoberta por Einstein, e assim por diante (no ótimo site http://www.poe-eureka.com, cuja webmaster é minha amiga Regina Pimentel, são apresentados muitos detalhes a respeito).

Edgar Allan Poe acreditava ter um escrito um livro cientificamente revolucionário, superior a tudo o que já se escrevera sobre a origem e o destino do Universo. Dedicou-o ao grande cientista Alexander Von Humboldt, que não lhe deu a menor importância. Depois de concluir Eureka, Poe não conseguiu escrever mais nada, e acabou enlouquecendo.

Por qualquer ângulo que se analise – pelos acertos e erros científicos, pelo drama pessoal do autor, pela poesia – Eureka é um livro espantoso, e que merece mesmo uma nova edição brasileira: acho que a última que saiu por aqui é esta da qual eu tenho um exemplar, da editora Max Limonad (me corrija se eu estiver errado, Regina!).

(texto escrito no início de 2015)

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