Dois livros de Lolita Pille
Literatura

Dois livros de Lolita Pille

22 de maio de 2015 0

Hell – Paris – 75016

Ela é linda. Ela é riquíssima. Ela sai todas as noites em bares e boates da moda. Ela exagera no álcool e na cocaína. Ela troca de parceiro sexual como quem troca de roupa. Ela mesma diz que é uma putinha, daquelas da pior espécie. O seu nome é Ella. Ou Elle. Mas ela prefere mesmo ser chamada de Hell (inferno, em inglês).

Hell é a personagem-título de Hell – Paris – 75016, da francesa Lolita Pille (tradução de Julio Bandeira, Editora Intrínseca, 207 páginas), que tinha 18 anos quando o compôs, em 2000 (foi publicado no ano seguinte). Escrito na primeira pessoa, o livro é quase que totalmente autobiográfico. Ele descreve o dia a dia de pessoas como ela: milionárias, que gastam em uma noite o equivalente ao salário de grande parte das pessoas da classe média, que julgam seus semelhantes apenas e tão somente pelas grifes que ostentam, que não têm outro objetivo na vida senão se divertir muito com muito sexo, muita cocaína, muito álcool.

O livro tem seu valor quando apresenta, sem retoques, a mentalidade do grupo a que Hell pertence. Arrogantes, sentindo-se sempre superiores ao restante da humanidade, paranóicos pelo uso excessivo do pó (ou simplesmente pela falta atenção dos pais), os jovens ricaços não causam praticamente nenhuma simpatia aos leitores “comuns” (embora possam chocar as pessoas com vida mais – desculpem o termo – “regrada”) e nem fazem a menor questão disso. Suas vidas são um desfile de marcas famosas de carros, de relógios, de roupas, de sapatos, tudo misturado com muita fofoca sobre a vida alheia (“mas fulano não está quebrado? Como ele mantém este estilo de vida?”) e comportamento totalmente desregrado.

Se Hell – Paris – 75016 pode encontrar um eco distante em Balzac pelo retrato de um grupo social, o mesmo não se pode dizer da penetração psicológica das personagens principais. Hell não se parece muito com alguém de carne-e-osso. Ela não é muito convincente, por exemplo, quando tenta mostrar que a vacuidade da sua vida também traz sofrimento – no contexto do livro, frases como “se os ricos não são felizes é porque a felicidade não existe” e “a humanidade sofre e eu sofro com ela” parecem mais coisas de uma adolescente mimada preocupada em dar um estofo existencialista para a sua história.

Um tanto forçada, também, é a descrição da pessoa pela qual Hell se apaixona, o ricaço Andrea. Ele tem o objetivo de desmascarar a hipocrisia e imbecilidade de seu grupo social, mas acaba tendo o mesmo comportamento daqueles que critica. O romance entre os dois personagens mal compostos acaba, como não poderia deixar de ser, parecendo exagerado e forçado – a própria Lolita Pille, em uma entrevista, descreve este caso de amor como sendo “meio água-com-açúcar”.

(texto publicado no Mondo Bacana em 2005)

Bubblegum

Paranoia não falta nos livros da escritora francesa Lolita Pille. Depois do gigantesco sucesso mundial de Hell – Paris – 75016, a Intrinseca está lançando o seu segundo romance, Bubblegum (272 páginas). Se, por um lado, o novo livro de Lolita Pille continua a enfocar personagens riquíssimos que vivem uma vida agitada, sem limites quanto a sexo, álcool ou drogas, por outro agora aparece a primeira personagem central pobre da autora: Manon, uma garota de uma pequena cidade do interior da França que vive infeliz com a sua condição, e que sonha com uma vida como grande atriz de cinema, cheia de riqueza e luxo.

Para atingir seu objetivo, Manon larga o pai, que a criou, sozinho na cidadezinha do interior: ela sequer se despede, e não volta a entrar em contato com ele. Depois de um tempo penando como garçonete, ela começa a namorar o ricaço Derek Delano, herdeiro de uma companhia petrolífera na Venezuela: é quando seus sonhos começam a se realizar. Logo Manon se transforma numa modelo requisitadíssima, capa das mais melhores revistas da Europa e Estados Unidos, e acaba realizando seu grande sonho: ser a atriz principal de um filme importante. Agora nada mais segura a garota do interior, que passa a ter praticamente a mesma vida dissoluta da personagem principal do romance anterior de Lolita Pille, a jovem Ella – e é neste ponto que uma série de acontecimentos surpreendentes, que não serão descritos aqui para não estragar a surpresa, mudam de maneira radical esta situação.

Mais ainda que em Hell – Paris – 75016, em seu novo livro Lolita Pille não consegue mostrar nenhum ato de bondade no ser humano: suas personagens continuam frias, calculistas, capazes de literalmente qualquer coisa por dinheiro ou diversão. De qualquer maneira, é inegável que a francesa escreve bem; de maneira geral, inclusive, o seu segundo romance é um pouco superior ao anterior – apesar da reviravolta forrada e um tanto absurda do final de Bubblegum.

(texto publicado na revista dominical do jornal O Estado do Paraná em 2006)

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