On the road
Literatura

On the road

19 de maio de 2015 0

Bíblia da geração beat é reeditada no Brasil, em edição de bolso da L&PM. Com tradução revista e corrigida pelo mesmo Eduardo Bueno, o clássico escrito por Jack Kerouac mergulha fundo na loucura de dois amigos que, juntos ou separados, cruzam os Estados Unidos no final dos anos 40 e início dos 50. Fabrício Muller releu On The Road – Pé Na Estrada e descobriu algumas “novidades” na obra que há várias décadas vem influenciando grandes nomes do cinema e da música pop.

On The Road – Pé Na Estrada, de Jack Kerouac (L&PM Pocket, 386 páginas) é considerado a “bíblia” da geração beatfamoso movimento de caráter artístico e social dos anos 50. Mais do que isto, ele foi de uma importância fundamental para todas as correntes libertárias que se desenvolveram nas décadas seguintes, como os hippies dos anos 60 Para que se tenha uma idéia, a introdução da presente edição – a cargo do próprio tradutor, Eduardo Bueno – informa que Bob Dylan, Chrissie Hynde [vocalista dos Pretenders, que atualmente mora no Brasil] e o cineasta Hector Babenco fugiram de casa após lerOn The Road; Jim Morrison fundou o Doors após ler On The Road; já nos anos 90, o livro levou Beck a tornar-se cantor, fundindo rapfolk e poesia beat; três importantes fãs do livro, os diretores Francis Ford Coppola e Gus Van Sant e o ator Johnny Depp, reuniram-se para fazer uma versão cinematográfica – nunca concretizada – do clássico de Jack Kerouac.
A obra, lançada em 1957 nos Estados Unidos, só veio a ter uma tradução brasileira em 1984, pela Brasiliense – antes disso havia sido lançada uma outra, portuguesa. O tradutor daquela edição era o jornalista e escritor Bueno. Hoje reconhecido nacionalmente por seus títulos de “revisão” da História do Brasil, ele revisou e corrigiu Pé Na Estrada para o recente lançamento da coleção L&PM Pocket – que também disponibilizou novamente no mercado, em dois volumes, o genial Mate-Me Por Favor, história do punk contada por muita gente que viveu e protagonizou o movimento.

Apesar de ter um grande número de personagens, alguns deles reais inclusive, On The Road conta basicamente a história de Sal Paradise, o narrador, e seu grande amigo Dean Moriarti, no final dos anos 40 e início dos 50. Os dois fazem diversas viagens [de carona, de ônibus ou de carro], juntos ou separados, entre as costas leste e oeste dos Estados Unidos – tendo também uma passagem pelo México. Eles nunca têm objetivos de longo prazo. É freqüente se estabelecerem em um lugar, arranjarem algum dinheiro e colocarem o pé na estrada de novo.

O excesso é a principal característica das viagens de Sal Paradise e Dean Moriarti. Eles se embebedam quase todos os dias, arranjam muitas mulheres, usam drogas com freqüência, dirigem em velocidades inacreditáveis quando conseguem um carro, vão a todo o tipo de festas. Se Paradise parece manter um pouco de sanidade no meio de tanta loucura, o mesmo não se pode dizer de Dean Moriarti, que decididamente não bate bem. O companheiro do narrador do livro rouba carros com freqüência; por qualquer motivo fútil deixa para trás amigos, mulheres e filhos para ir em busca de outras pessoas [podendo ou não voltar mais tarde]; é agitado além da conta [por exemplo, chega a ficar saltitando por horas em uma reunião social ou marca encontros com diversas pessoas em diversos lugares diferentes em uma mesma madrugada] e tem atitudes sem sentido, como ficar noites inteiras tendo conversas estranhíssimas com um de seus amigos.

Se não há dúvidas a respeito da importância sociológica de On The Road, pode-se dizer que o livro continua valendo como obra literária? Confesso que tinha sinceras dúvidas a respeito. Não consegui chegar até o fim do livro de Jack Kerouac na década de 80, naquela famosa edição da Brasiliense – que me pareceu confuso, se perdendo em detalhes sem importância, com personagens sem rumo e sem sentido. Relendo-o agora, vinte anos mais tarde, acabei mudando radicalmente de opinião: na verdade, o narrador Sal Paradise vê o mundo com os olhos espantados e maravilhados de uma criança.

O detalhismo e a verborragia nada mais são do que a tentativa de Jack Kerouac de mostrar aos leitores toda a sua alegria de experimentar, de viajar, de conhecer o mundo, de viver. Pouco importa, afinal de contas, se as suas aventuras têm algum sentido lógico, algum objetivo. O que importa é o prazer que temos em ler este verdadeiro clássico da literatura universal que é On The Road.

(texto publicado no Mondo Bacana em 25 de abril de 2008)

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