Exercícios Literários

O cão

12 de setembro de 2019 0
fonte da imagem: Jenkem Magazine

Eu gostava muito do meu dono. Frequentemente nos encontrávamos com amigos dele, que também tinham outros cães como eu, e era uma festa. Meu dono e os amigos tomavam bebidas com um cheiro forte, cantavam, tocavam seus banjos – às vezes saía uma briga ou outra, e eu tinha que defender meu dono. Frequentemente dormíamos em calçadas, ou só eu e meu dono, ou nós dois com alguns amigos dele – também com seus cães. Para nos alimentar, meu dono revirava lixos, e sempre sobrava comida para mim. Às vezes alguma pessoa desconhecida me dava ração, e meu dono a agradecia. Às vezes algum desconhecido xingava meu dono, mas ele me dizia que só não o xingavam mais porque eu, com meu tamanhão, colocava medo nas pessoas “normais” – ele sempre falava “normais” com um tom meio debochado.

Eu gostava muito de nossos passeios de trem. Entrávamos em vagões de carga, nos cobríamos do jeito que dava e ficávamos olhando as paisagens. Chegávamos a lugares lindos, cheios de cheiros diferentes. Lá nos encontrávamos com outros amigos do meu dono, e sempre havia cantoria, alegria e algumas brigas. Aquelas bebidas com cheiro forte eram presentes também.

Meu dono sempre me dizia que nunca iria me abandonar. Que ele me amava tanto que jamais iria me deixar sozinho. Infelizmente, não foi o que aconteceu. Ele começou a ficar estranho quando começou a colocar no braço umas coisas esquisitas e pontudas. Depois de se machucar com aquilo, ele ficava num torpor estranho, não parecia mais a mesma pessoa. Dormia muito mais que antes, ou ficava acordado como se estivesse dormindo. Um dia, depois de se machucar com aquela coisa pontuda, ele entrou num torpor do qual não saiu mais. Demorei para perceber que ele tinha me deixado para sempre.

Hoje estou com um amigo dele, e continuo tendo o mesmo dia-a-dia que tinha quando estava com meu antigo dono. O meu novo proprietário me trata tão bem quanto o antigo, e também sempre me promete que nunca vai me deixar. Infelizmente, não consigo acreditar nele.

(Texto escrito para responder ao seguinte desafio literário proposto pelo Robertson Frizero: Personagem é qualquer ser atuante de uma história ou obra de arte. Normalmente é uma pessoa, mas pode ser um animal, um ser fictício, um objeto, desde que tenha características humanas. O desafio do dia é escrever uma história cujo protagonista seja uma personagem não-humana. A história deve ter no máximo 500 palavras e ter como tema central a mentira.)

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