Confesso que não gostei nem de “Triste fim de Policarpo Quaresma” nem de “Recordações do Escrivão Isaías Caminha”, do escritor carioca Lima Barreto (1881-1922), lidos há alguns anos. Gostei bem mais, numa leitura recente, de “Clara dos Anjos”. De todo modo, a vida do autor sempre me fascinou, e foi com este espírito que li “Lima Barreto – Triste visionário”, biografia de Lilia Moritz Schwarcz lançada há poucos meses (Companhia das Letras, 648 páginas). Não me arrependi – aliás, me deu vontade de reler os dois romances citados no início, para ver se mudo de ideia.
Neto de escravos e oriundo de uma família de classe média, Lima Barreto começou a estudar engenharia na faculdade, mas não conseguia passar em algumas matérias e ia se atrasando no curso. Seu pai – que tinha sido um tipógrafo de alguma importância durante o Império e que, depois da Proclamação da República, passou a ser administrador de um hospício na Ilha do Governador – enlouquece e Lima Barreto é obrigado a sair da universidade para cuidar do pai. Logo passa num concurso para amanuense – funcionário público que escrevia cópias de documentos e registros a mão – e começa a sustentar a família: o pai, enlouquecido, dois irmãos e uma irmã (sua mãe tinha falecido quando o escritor tinha apenas cinco anos). Lima Barreto odiava trabalhar na repartição pública: gostava mesmo era de literatura. Além dos romances (fora os citados acima, vale mencionar “Numa e a ninfa” e “Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá”) e contos que escreveu, era cronista e colaborava com diversas publicações da então capital do Brasil, a cidade do Rio de Janeiro. À medida que o tempo passava, foi desenvolvendo um alcoolismo que acabaria por matá-lo ainda jovem, com quarenta anos – mas, mesmo bebendo muito, nunca parou de produzir.
Lima Barreto era um crítico feroz da intelectualidade dominante da época – início da República – e acreditava numa literatura engajada, de forte cunho social: nas suas obras, o racismo, que ele próprio sentia na pele, é combatido sem meias palavras. Seus livros, por outro lado, eram depreciados por descreverem e criticarem, “sem imaginação” (através do uso de nomes falsos), pessoas muito conhecidas da sociedade – o que é engraçado de se pensar, já que sua obra sobreviveu, com louvor, ao teste do tempo. Seus críticos (entre os quais eu me incluo, ainda) não sabiam de nada.
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