Existem alguns cantores que, conforme se diz, cantam com alma. Este termo, alma, é difícil de definir, mas é relativamente fácil de sentir: é quando o cantor consegue passar para o ouvinte um sentimento verdadeiro, seja ele de amor, ódio ou alegria. (Nem importa, na realidade, se o cantor esteja fingindo ou não: o que importa aqui é que o ouvinte se convença da sinceridade do intérprete.) Grande parte dos cantores que acaba sendo lembrada na posteridade, esta é uma teoria minha, são (ou fingem ser) verdadeiros com relação a seus próprios sentimentos – e com isso acabam atingindo profundamente um grande número de ouvintes. Alguns exemplos: John Lennon, Bob Marley, Elvis Presley, Renato Russo (pode-se gostar ou não deles, mas dificilmente alguém vai negar que estes quatro cantavam com alma).
Qual seria a termo correspondente a esta alma para o futebol? A primeira palavra que me vem à cabeça: raça. Um jogador é raçudo quando se dedica, quando luta, quando dá o melhor de si – mais ou menos como o cantor que canta com alma. Mas raça é um termo que se aplica a um ou outro jogador, individualmente. Quando se fala num time de futebol, quem sabe a melhor tradução para alma seja “espírito de grupo”. É quando os jogadores dizem que “o grupo está fechado” (e não é da boca para fora, claro). Este tipo de estado de espírito é uma das melhores coisas que podem acontecer para um time de futebol: é quando cada jogador dá o melhor de si para que a sua equipe alcance os melhores resultados e o técnico faz valer sua autoridade sobre o grupo. É quando o time joga com alma.
Quando voltei a assistir jogos do Coritiba, logo depois do título de 1999, vi, muitas vezes, com tristeza, que alguns jogadores simplesmente se recusavam a passar a bola para os companheiros: os que mais me irritavam, neste sentido, eram os centroavantes Marquinhos Cambalhota e Cleber. Frequentemente um jogador do Coritiba ficava sozinho num canto do gramado, sem que nenhum companheiro viesse ajudá-lo para uma tabela. A impressão que se tinha – não em todos os jogos, mas em muitos deles – era a de um círculo vicioso, aonde uns jogadores se vingavam da falta de solidariedade dos outros. Jogadores que não passavam a bola e não ajudavam os companheiros: um time sem espírito de grupo. Um time sem liderança. Um time sem alma.
Por outro lado, nas boas ou más atuações – que podem acontecer com qualquer equipe, claro – o Coritiba de Bonamigo tem-se revelado um time extremamente unido. Não temos tido mais o desprazer de ver os jogadores desprezando o adversário, reclamando de substituições, fugindo de divididas ou prendendo a bola de maneira desnecessária. Para quem, como eu, assiste aos jogos no Couto bem próximo ao banco de reservas, é fácil ver o quanto Bonamigo tem autoridade sobre os jogadores. Ele conseguiu criar, poucos duvidam disso, um forte “espírito de grupo” entre seus comandados. O Coritiba, era aqui aonde eu queria chegar, é um time que joga com alma.
(publicado no site COXAnautas em 24/7/2003)
0
There are 0 comments