Tenho (ou tinha, melhor dizendo) uma certa aversão por certo tipo de música “pseudo-intelectualizada”, seja lá o que isto seja ou foi… A verdade é que volta e meia aparece algum sujeito em alguma emissora “alternativa”, com alguns instrumentos esquisitos, arrogância infinita… e talento zero. Não tenho muita paciência para com isto.

Minha mulher, conhecendo esta minha repugnância, e vendo em uma propaganda da TV Cultura (TV “alternativa” por excelência…) o anúncio de um show dos Madredeus, com suas vestimentas e estilo diferentes dos músicos de rock que normalmente ouço, achou que estes portugueses seriam alvo fácil da minha língua ferina… e me perguntou o que eu achava “daquilo”…

Tarde demais. Tarde demais. Tarde demais.

Eu já estava com os olhos arregalados, sem poder respirar.

Aquilo me parecia de outro mundo, forte, poderoso, agressivo… a música era “Senhores da Guerra”, e me lembro deste momento como se fosse hoje.

Quando o show passou, não pude vê-lo,… nem gravá-lo.

E a vida seguiu correndo o seu curso, até que uma noite, sem querer, o tal do show dos Madredeus passou de novo… e claro, não iria ter esta chance de novo, e gravei o especial a partir do meio da segunda ou terceira música, onde a Teresa Salgueiro diz que quer ouvir a “tua voz…”

O estrago tinha sido, finalmente, feito!

Quando pude finalmente ver o show, aquilo que parecia de outro mundo assumiu ares realmente inacreditáveis! Não podia acreditar no que estava vendo. Não podia acreditar no que estava ouvindo.

Como posso descrever o que sentia ouvindo aquele show duas, três, quatro vezes todas as noites? Como posso descrever o que sentia quando chorava às lágrimas na sexta, sétima vez que ouvia a Teresa Salgueiro cantar “O Pomar das Laranjeiras”? Como posso descrever o que sentia quando via as imagens intercaladas (tecidos brilhantes rodando, coisas assim) no meio das músicas, nos ápices das canções? Como posso descrever o que sentia quando a Teresa Salgueiro sorria, como se dissesse assim: “eu sei que estou te levando a lugares muito profundos, deixa eu sorrir para diminuir o teu fardo…”

E o mais engraçado é que sempre fui um sujeito inseguro em termos musicais, sempre querendo a opinião de um crítico ou coisa assim. E eu não tinha nada. Devo ter passado um ano sem ouvir um só comentário sobre os Madredeus. Só eu os conhecia. Eles eram só meus. (Claro que às vezes me perguntava se este meu amor todo não seria um exagero de minha parte, se a “crítica” não iria gostar, e outras baboseiras no gênero…)

O meu vídeo foi se estragando e eu gravei o especial da TV Cultura na velocidade lenta, com baixa qualidade de gravação… E praticamente não podia mais vê-lo direito… Mas meu sofrimento só tinha começado.

O especial foi reprisado em 1995, quando da avassaladora tour dos Madredeus no Brasil. E deixei o especial gravando, pois estava na praia. E, a TV  Cultura, aquela época, volta e meia ficava com um som inaudível. Para não fugir à sina, o som gravado, a partir da metade do show, simplesmente ficou péssimo. Resultado: gravei uma terceira fita, de vídeo para vídeo, com o início da segunda vez que gravei, e com o fim da primeira.

Tantas idas, tantas voltas, tanto esforço não foi em vão. Este especial da TV Cultura é parte da minha vida, e um pouquinho de esforço e sofrimento é nada perto de toda a alegria que ele me proporcionou e tem me proporcionado…