Centenas de milhares de judeus, principalmente na União Soviética, já tinham sido assassinados em 20 de janeiro de 1942.
Entretanto, esta data é um marco: o nacional-socialismo, que já era uma das ditaduras mais cruéis da História, a partir de então passa a patrocinar o espetáculo mais dantesco de todos os tempos, algo que envergonha a humanidade até hoje, não importando se a pessoa é nazista ou não.
Neste dia ocorreu a Conferência de Wannsee (Wannsee é o bairro da periferia de Berlim onde a reunião ocorreu), agendada por Reinhard Heydrich, chefe da Agência de Segurança e da Polícia Secreta Alemã, para organizar e implementar a chamada Solução Final para o Problema Judeu.
Os nazistas, que já tinham sufocado economicamente os judeus com as leis de Nuremberg, estavam percebendo que só com isto não estavam conseguindo atingir seu objetivo, isto é, tornar a Alemanha livre de judeus. Praticamente metade deles permanecia em território alemão, apesar das dificuldades decorrentes da diminuição de meios de subsistência (as leis de Nuremberg vedavam aos judeus o exercício da maior parte das profissões de nível médio e superior). Isto, mais o fato da Alemanha já estar dominando grande parte da Europa, fez Hitler se decidir pelo último passo, o mais radical, o mais assustador: a chamada Solução Final significava simplesmente o extermínio de todos os judeus da Europa.
Para implementar este monstruoso programa e coordenar todos os esforços, Heydrich convocou burocratas de médio e alto escalões de diversas áreas do governo alemão. Para que tudo saísse conforme o figurino, todos precisavam estar afinados, todos precisavam colaborar, todos precisavam dar o melhor de si. Eichmann, o posteriormente famoso gerente de transportes do Reich, declarou em seu julgamento em Jerusalém (em 1977) que, apesar de ter inicialmente dúvidas a respeito da Solução Final, mudou de idéia na conferência de Wannsee, “já que tantas personalidades” estavam de acordo quanto ao assunto (Eichmann era, sem dúvida, o funcionário de mais baixo escalão presente, o que o deixava orgulhoso em participar de reunião tão importante). Ele se sentiu um pouco como “Pôncio Pilatos”, e se sentiu “lavando as mãos”… quem era ele para ter suas próprias idéias a respeito do assunto, afinal?
As dimensões do serviço eram enormes. Graças a um grande esforço estatístico, acelerado por tabuladoras Hollerith da IBM (o estatístico especialista em cartões Hollerith Richard Korherr estava presente em Wannsee), foi apresentado por Heydrich o tamanho do trabalho a ser realizado: apesar de “incríveis” erros (segundo Hannah Arendt), o número total de judeus na Europa (ou seja, o números de judeus a serem exterminados) foi computado igual a 11 milhões. Este número foi apresentado discriminando a quantidade de judeus por país, com maior ou menor precisão, conforme foi possível computar (inclusive, em muitos países estrangeiros os judeus eram computados por “religião“ e não por “raça“ conforme as definições das leis de Nuremberg), e ainda incluindo países que não tinham sido e que não seriam, mais tarde, invadidos pela Alemanha, como Portugal, Inglaterra e Irlanda. A quantidade de judeus a serem eliminados por país pode ser visto em
http://www.us-israel.org/jsource/Holocaust/Wannsee_Protocol.html
Na Conferência de Wannsee, obviamente, se usou de eufemismos: não se falou em “eliminação de judeus da Europa” e sim em “evacuação de judeus para o Leste” (importante lembrar que o objetivo da Alemanha nesta data era a tomada da parte da União Soviética que ainda não havia sido invadida, no Leste Europeu). Entretanto, o seguinte comentário de Heydrich não deixa dúvidas quanto aos objetivos da solução final:
“Os judeus devem ser agora, no decurso da solução final, levados para leste… a fim de serem utilizados como mão-de-obra. Em grandes grupos, com separação de sexos, os judeus capacitados para o trabalho serão levados a essas áreas e empregados na construção de estradas, tarefa na qual se perderá, naturalmente, a maior parte deles.
Os remanescentes, os que puderem sobreviver a tudo isto – inegavelmente os de maior resistência – devem ser tratados de acordo porquanto, representantes de uma seleção natural, devem ser considerados a célula germinativa da nova criação judaica”
Este tratamento “de acordo”, era, obviamente, um eufemismo para extermínio, pois os nazistas jamais permitiriam uma “nova criação judaica”…
Outra prova que a solução final não era a evacuação para o leste é a declaração do Dr. Josef Buehler, representante do governo geral da Polônia. Ele tinha uma sugestão para os dois milhões e meio de judeus poloneses, os quais, segundo ele, “representavam um grande perigo”, pois eram “portadores de moléstias, negociantes do mercado-negro e, além disso, incapacitados para o trabalho”. Não havia problema de transporte para eles, pois já estavam “no leste“, mas, mesmo assim, o Dr. Buehler concluiu: “só quero que o problema judaico em meu território seja resolvido o mais rápido possível”.
Depois de tudo isto, discutiu-se na reunião quem era ou não judeu, conforme o sangue (meio-judeus, judeus de primeiro ou segundo graus, etc), levando em conta as leis de Nuremberg.
A reunião não durou mais do que uma hora, uma hora e meia, depois do que foram servidos drinques e todo o mundo almoçou – “uma íntima reuniãozinha social”, segundo Eichmann declarou em Jerusalém, destinada a fortalecer os contatos pessoais necessários.
(texto escrito em julho de 2001)
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