Metaleiro que sou, recebi com desconfiança a notícia de que havia um livro chamado Heavy Metal – A História Completa, do jornalista norte-americano Ian Christe (Editora Arx, 479 páginas). Explico: assim como não existe, por definição, uma “lista de melhores” perfeita sobre qualquer coisa quando o assunto é arte, desconfiei de cara que um livro pretendendo contar a “história completa” do metal deixaria “muita coisa boa” de fora. Bobagem, claro. O assunto é por demais subjetivo. Num estilo tão vasto e mutifacetado como este, certamente se eu fosse escrever uma “história completa” do metal eu incluiria muita coisa que outros metaleiros desprezariam, e por aí vai. Minha crítica ao livro a seguir, portanto, tentará ser a mais imparcial possível (mesmo ressaltando que, para um fã do estilo como eu, imparcialidade é uma coisa difícil de ser conseguida!).
Vou começar pelos pontos positivos do livro, que são muitos. Ian Christe não tem aquele ranço saudosista de muitos metaleiros mais velhos, que desprezam tudo o que foi feito depois que sua juventude acabou. Isto é particularmente sensível quando o assunto é o nü metal, que é provavelmente o estilo mais aberto a influências de fora – como o techno, o hardcore e o hip hop – e que é profundamente desprezado por muita gente da velha guarda. Com Christe isto não acontece: ele trata com o maior respeito e admiração algumas das ótimas bandas do estilo, como Korn, Limp Bizkit e, particularmente, Slipknot.
Outro ponto positivo: não há nada daquela bobagem que eu li na revista Bizz há um tempo, que dizia que o primeiro heavy metal da história foi uma música do Kinks. Ou que o primeiro metaleiro tinha sido Jimi Hendrix (isso eu acho que li em algum lugar). Ou alguma besteira parecida. A verdade é uma só e Ian Christe deixa isto claro: o heavy metal começou com o lançamento do LP Black Sabbath, da banda do mesmo nome, em uma sexta-feira, 13 de fevereiro de 1970.
Além do exposto, esta publicação é uma leitura bastante agradável, abarca muitos estilos do metal com bastante segurança, e cita muita, mas muita coisa boa mesmo. Só que o autor parece bastante magoado com a grande imprensa de maneira geral, que sempre tratou – e ainda trata – o estilo com desprezo ou, na melhor das hipóteses, condescendência. Verdade isto. Particularmente, acredito que ele não deveria deixar tão clara esta mágoa – se acredita mesmo na qualidade artística do metal, as críticas negativas não deveriam lhe incomodar tanto. Mas este mal-estar contra a grande imprensa é uma reação humana bastante compreensível, ainda mais sendo Ian Christe, ele mesmo, jornalista.
De todo modo, não sei se é por insegurança quanto à qualidade artística do metal ou se é pelo simples fato de Ian ser um fã descabelado, o defeito que primeiro salta à vista na leitura do livro é o destaque totalmente desproporcional dado à história do Metallica – por acaso ou não, a primeira banda do estilo que conseguiu um respeito real da crítica, além de ser um dos nomes (ou O nome) da história do metal de maior vendagem e exposição na mídia. Nada contra o Metallica, claro, mas os detalhes que ele conta insistentemente sobre a banda em quase todos os capítulos a partir de uma certa parte de Heavy Metal – A História Completa são totalmente desnecessários. Isto enquanto outras bandas importantes (como por exemplo AC/DC, Pantera ou Motorhead) são tratadas de maneira superficial.
Existem outros pontos negativos. O autor ignora o black metal feito fora da Noruega da década de 90 em diante. Ele trata um estilo importantíssimo como o doom metal com a mesma condescendência que ele acusa a grande imprensa de tratar o heavy metal. Simplesmente também não cita o metal melódico – não que eu goste do estilo, mas não se pode deixar de abordá-lo, pela sua importância e popularidade pelo mundo. Falta um índice remissivo (quem sabe para não ter de mostrar que o Metallica é citado na maior parte das páginas do livro). E, finalmente, a história de Heavy Metal – A História Completa acaba em 2003, sendo que muita coisa boa rolou no metal de lá para cá. Bom, mas isso, claro, não é culpa de Christe!
(publicado no Mondo Bacana em 2011)
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