“O Quarto Azul”, “O Incolor Tsukuru Tazaki e Seus Anos de Peregrinação”
Literatura

“O Quarto Azul”, “O Incolor Tsukuru Tazaki e Seus Anos de Peregrinação”

31 de julho de 2015 0

“O Quarto Azul”, que li recentemente, é um dos “romances duros” do belga Georges Simenon: ou seja, é uma obra em que o famoso Comissário Maigret não aparece. Tomando por base este livro, parece que o autor realmente sabia o que estava fazendo quando batizou seu estilo.

O desenvolvimento do romance é claustrofóbico. Sabemos que o personagem principal, um vendedor de tratores italiano residente na França chamado Tony Falcone, está sendo interrogado por um delegado, por um juiz e por um psiquiatra, mas não temos nem ideia de por que isto ocorre, e nem de onde ele está. À medida que a história vai se desenvolvendo, os detalhes são descortinados aos poucos: Tony é casado, tem uma filha pequena e trai sua esposa com uma amante, chamada Andrée; ele está preso; os interrogadores ficam perguntando sobre o que Tony fez num dia específico; e o leitor só fica sabendo qual foi crime que está sendo investigado no final do livro. Não dá para contar mais detalhes para não estragar a surpresa.

A “dureza” do livro está no comportamentos dos personagens principais, Tony e Andrée, que parecem desprovidos de sentimentos como amor e compaixão (muito diferentes do Inspetor Maigret, aliás, que tem uma linda relação de amor e cumplicidade com a esposa, e que se apieda não só das vítimas dos casos que investiga, mas também dos criminosos que descobre), e também na própria técnica (brilhante) utilizada por Simenon: a atmosfera claustrofóbica de “O Quarto Azul” e a maneira como a narrativa é desenvolvida fazem com que a tensão aumente a cada página, desde o início até seu final. Não há um momento de alívio, não há uma pausa para descanso, não há um fio solto na história.

Sob alguns aspectos, “O Incolor Tsukuru Tazaki e Seus Anos de Peregrinação”, do japonês Haruki Murakami, é o oposto do livro comentado acima.

O romance conta a história de Tsukuru Tazaki, um entre cinco amigos (duas garotas e três rapazes) inseparáveis que passaram juntos a infância e a adolescência na cidade japonesa de Nagoia. Tsukuru é chamado de “incolor” porque no seu sobrenome, ao contrário daqueles dos outros quatro amigos, não aparece nenhuma cor (os sobrenomes dos rapazes são Akamatsu – “pinheiro vermelho” – e Ômi – “mar azul” -, enquanto que os das garotas são Shirane – “raiz branca” – e Kurono – “campo preto”).

Certo dia, sem nenhum motivo aparente, os outros quatro resolvem expulsar Tsukuru do grupo, e além disso também o obrigam a cortar qualquer tipo de contato com eles. Este acontecimento deixa Tsukuru tão traumatizado que, muitos anos mais tarde, sua namorada o instiga a procurar seus ex-amigos para tentar tirar o peso que parece estar permanentemente sobre suas costas. “O Incolor Tsukuru Tazaki e Seus Anos de Peregrinação”, de certa forma, é a história desta procura. Como é de se esperar em se tratando de um livro de Haruki Murakami, esta não é apenas a história da retomada do contato de Tsukuru com seus ex-amigos, mas também uma espécie de busca espiritual do personagem principal por seu “verdadeiro eu” – estas coisas.

Ao contrário dos personagens um tanto quanto esquemáticos de “O Quarto Azul”, aqueles de “O Incolor Tsukuri…” são mais complexos: muitas vezes o comportamento deles vai por direções totalmente inesperadas para o leitor. Além disso, é inegável que o romance de Murakami tenta atingir camadas psicológicas e humanas mais profundas que aquelas atingidas pelo livro de Simenon.

Por outro lado, se a tensão aumenta de maneira muito bem resolvida em boa parte da metade inicial de “O Incolor Tsukuri…”, o romance vai afrouxando de maneira meio irremediável dali para a frente. O livro termina de maneira melancólica, e as soluções que Murakami encontra para os conflitos que ele tão bem tinha desenvolvido no início são bastante insatisfatórias. Ficamos com a impressão de que ele teve preguiça de terminar o livro.

Se fosse possível, Murakami deveria ter tido umas aulas de desenvolvimento de trama com Simenon.

(texto escrito em fevereiro de 2015)

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