Romances de Diogo Mainardi
Literatura

Romances de Diogo Mainardi

25 de setembro de 2015 0

Diogo Mainardi é, provavelmente, o mais polêmico jornalista brasileiro da atualidade. Dono de uma coluna semanal na revista Veja e participante fixo do programa de debates Manhattan Connection, da emissora de TV a cabo GNT, ele não costuma poupar políticos, colegas de profissão e brasileiros de modo geral de seus ácidos comentários. Além de jornalista, Mainardi também é (ou foi, já que ele já declarou que sua experiência nesta área terminou) romancista, tendo publicado quatro livros do gênero, que foram recentemente reeditados pela Record.

O primeiro romance de Mainardi, Malthus (95 páginas, publicado originalmente em 1989) recebeu o Prêmio Jabuti de 1990. Segundo o prefácio de Ivan Lessa, Thomas Robert Malthus (1766-1834) foi um economista inglês que “em seu livro Um ensaio sobre o princípio da população e seu efeito na formação das sociedades (1798) sustentava que a população aumenta mais rapidamente do que o suprimento de alimentos e se limita apenas pela guerra, pobreza e vício. (…) A tese de Malthus baseava-se no axioma de que a população aumenta numa progressão geométrica, ao passo que os meios de subsistência aumentam apenas em progressão aritmética. Malthus argumentava, pois, que o crescimento demográfico urgia uma contenção, caso contrário a fome e a pestilência destruiriam o equilíbrio natural da espécie humana.”

Este aumento “em progressão geométrica” da população mundial serviu de inspiração para que Mainardi fizesse uma história absurda e engraçadíssima. Segundo o personagem principal do romance, um sujeito chamado Loyola y Loyola, “todas as pessoas perturbavam e eram perturbadas. A culpa pelos infortúnios era de quem eventualmente estivesse por perto, e sempre haveria alguém por perto.” [grifo nosso]

Já a partir do primeiro parágrafo de Malthus se pode ter uma idéia da loucura que virá a seguir: nele, conta-se que Loyola y Loyola foi morar numa casa numa casa que não é a sua, e sim na de uma tal sra. Robalinho; para sobreviver, ele vendia os móveis que encontrava por lá. Mas não é só este personagem que morava de favor na casa: “magistrados”, “oligarcas da indústria do calçado”, o “emérito Dr. Egas Moniz” e “oficiais do exército” também se alojam no local. Até que um belo dia, por falta de cuidados, a casa ruiu.

As aventuras de Loyola y Loyola não param por aí. Ele e a multidão com quem morava vão morar num navio, e lá o “herói” do livro casa com a filha do comandante. Posteriormente, esta é engolida pela sra. Robalinho, que já tinha comido diversos objetos, como panelas, talheres, lâmpadas e lanternas. E assim, de absurdo em absurdo, Malthus vai se desenvolvendo de maneira sempre surpreendente, para o prazer do leitor.

No segundo romance de Mainardi, Arquipélago (127 páginas, publicado originalmente em 1992), o personagem principal (cujo nome não aparece) conta a história em primeira pessoa e é vítima de uma enchente monstruosa – quase um dilúvio – causada pelo rompimento da barragem de Ilha Solteira, no noroeste de São Paulo. A cidade de Pedranópolis, onde ele estava de passagem, fica quase que totalmente embaixo da água – assim como as cidades vizinhas. O personagem, assim como alguns desabrigados, sobrevivem na abóbada de uma igreja local, e o dia-a-dia deles ali é o tema principal do romance.

A situação no local é estranhíssima: o narrador de Arquipélago passa horas e horas filosofando sobre todo e qualquer assunto e os outros desabrigados, se no início da história estranham o este costume, logo começam a admirá-lo por isto. Em pouco tempo eles elegem o narrador líder do grupo e se sentem profundamente satisfeitos em não serem mais do que “instrumentos de reflexão filosófica” para ele.

A tranqüilidade local é abalada com diversos conflitos, primeiro com outro grupo de sobreviventes da enchente, que atira balas de canhão no grupo da abóbada, e depois com o aumento da população local, devida à chegada de novos desabrigados. Até que o narrador se cansa das diversas aventuras pelas quais passou e tenta fazer um barco para fugir dali.

Com diversas passagens e diálogos memoráveis, Arquipélago, apesar de ser também uma narrativa satírica eivada de absurdos, tem um estilo menos anárquico e mais elaborado do que o romance anterior. Mas a boa qualidade literária permanece.

O pior dos quatro romances de Diogo Mainardi é o terceiro, Polígono das secas (127 páginas, publicado originalmente em 1995). O livro conta a história do “Untor”, sujeito tenebroso que sai espalhando um ungüento venenoso, que transmite a peste, pelo sertão nordestino e que, com isto, acaba matando centenas de pessoas – e não só as mulheres com o nome de Catarina Rosa, cujas mortes são sempre seu objetivo principal.

O livro, ranzinza e sem nenhum humor, apesar da forte atmosfera assustadora peca por não ter nenhuma sutileza, sendo apenas e tão somente um “romance de tese”. E esta tese é para lá de questionável: para Mainardi, a tradição cultural do sertão nordestino não vale nada, é apenas um pastiche de tradições medievais misturadas a muita ignorância, preconceito e moralismo.

O último romance escrito por Mainardi chama-se Contra o Brasil (236 páginas, publicado originalmente em 1998) e conta a história de Pimenta Bueno, um sujeito que não trabalha e cuja única atividade é ficar lendo – de preferência textos falando mal do Brasil.

O personagem principal não tem nenhum caráter. No início do livro ele, que tinha herdado um cinema abandonado no centro de São Paulo que estava habitado por mendigos, vai até lá e põe fogo no local com os  seus moradores dentro. Com medo da polícia, Pimenta Bueno foge até o Mato Grosso e tenta transformar os já aculturados índios Nambiquara – que tinham sido estudados pelo grande antropólogo Claude Lévi-Strauss – que ainda vivem por lá em “autênticos índios”, nem que para isto estes tenham que passar fome. Consideração pelo semelhante não existe para o personagem principal de Contra o Brasil.

Em grande parte das páginas do romance existem citações (declamadas sempre por Pimenta Bueno) literárias ou históricas falando mal do Brasil, incluindo aí frases de personalidades do porte de Camus, Darwin e Evelyn Waugh. De certa forma, assim como Polígono das secas, este também é um “romance de tese”, e a tese aqui é de que o Brasil não presta para nada.

Só que, ao contrário daquele, em Contra o Brasil Diogo Mainardi não parece levar sua teoria muito a sério. Afinal de contas, neste romance extremamente divertido o personagem principal é um sujeito tão sem qualidades que suas críticas acabam perdendo bastante do seu peso.

(publicado na Revista Dominical do Jornal O Estado do Paraná em 2006)

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