Como é sabido, em 1989 o Coritiba foi rebaixado para a Segunda Divisão do Campeonato Nacional. Qual o motivo? O Coxa queria jogar no mesmo horário de outro time com quem disputava diretamente uma vaga e, para isto, com uma liminar da própria justiça desportiva, deixou de ir à cidade de Juiz de Fora para realizar uma partida contra o Santos. No ocasião, o comentarista João Saldanha apoiou a decisão da CBF.
Mais tarde, naquele mesmo ano, o Vasco da Gama quis a mesma coisa e desta vez a CBF cedeu. O clube de Eurico Miranda chegou a ameaçar que entraria na justiça comum para fazer com que o Vasco jogasse no mesmo horário de uma equipe com quem disputava diretamente uma vaga. Desta vez, João Saldanha concordou com o clube, e não com a CBF.
Na época esta utilização de dois pesos e duas medidas por parte de João Saldanha foi particularmente dolorosa para mim. Ele era meu comentarista de futebol preferido – e acho que até hoje ninguém me impressionou tanto neste campo (quem sabe apenas Juarez Soares e Juca Kfouri tenham chegado perto, mas isto é assunto para outras colunas).
João Saldanha era daqueles sujeitos que eram engraçados de tão mal-humorados. Assistir a partidas de futebol ou mesas redondas com ele era sempre divertido e enriquecedor. Ele era, freqüentemente, repetitivo em seus comentários mas, paradoxalmente, isto os deixava ainda melhores: lembro por exemplo de um jogo numa Olimpíada em que seus comentários praticamente se resumiam em falar mal do Careca – um centroavante negro que jogou muito tempo no Cruzeiro, e não aquele famoso da Copa de 1990. Saldanha fazia comentários diretos, objetivos e agudos. Era tido como pessoa de grande integridade e coragem, e eu estou seguro que os seus comentários sobre o rebaixamento do Coritiba foram apenas equivocados, e nunca coniventes ou “comprados”: citei-os nesta coluna apenas porque, depois de todos estes anos, ainda não consigo pensar em João Saldanha sem me lembrar deles.
De maneira similar, sempre que vejo jogadores pegando pouca distância para bater um pênalti lembro-me do João Saldanha. Eu assisti a uma mesa-redonda em que ele ficou muito tempo dizendo que nenhum jogador pode ficar muito próximo da bola para chutar um pênalti: para o comentarista, quem pega pouca distância não tem tempo de mudar a direção do chute, além deste normalmente sair fraco. O batedor, ainda segundo João Saldanha, pode até diminuir o ritmo na corrida até a bola, mas nunca, nunca mesmo, deve dar apenas dois ou três passos antes de chutar a gol.
Quando Miranda partiu para chutar o pênalti no jogo de ontem contra o Juventude, obviamente me lembrei de João Saldanha.
(texto publicado no site coxanautas em maio de 2005)
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