Bem-vindo ao clube, de Jonathan Coe
Literatura

Bem-vindo ao clube, de Jonathan Coe

11 de março de 2015 1

Não é exagero dizer que a década de 70 na Inglaterra é o personagem principal de Bem-vindo ao clube, de Jonathan Coe (Editora Record, 496 páginas). Contando as histórias de alguns estudantes – e alguns de seus pais – vivendo na cidade de Birmingham entre os anos de 1973 e 1979, o autor traça um bem-sucedido painel de uma época.

A Inglaterra mostrada por Coe é um país que vive o fim de uma era, a era trabalhista. Os sindicatos, poderosíssimos na década anterior, começavam a perder sua influência – num prenúncio da derrota inapelável que viriam a sofrer na era Thatcher. A decadência do  trabalhismo, que levou a Inglaterra a uma forte decadência econômica, é mostrado principalmente nos problemas vividos pelo sindicato do personagem Bill Anderton, enquanto que o conservadorismo é representado, entre outros, pelas idéias do insuportável Paul, irmão mais novo do personagem principal do livro, Ben Trotter – este um rapaz tímido, sensível e bom aluno.

O fim da era do rock progressivo, de longas e pretensiosas canções, e o início da era punk, com seus três acordes em músicas de três minutos, não é esquecido em Bem-vindo ao clube, principalmente numa passagem particularmente dramática: uma longa e estranha suíte do personagem Phillip tem execução simplesmente recusada pela sua banda por que o baterista e baixista, depois de pouco tempo tocando aquela música progressiva, começaram a tocar insanamente um tema punk – no primeiro (e único) ensaio do grupo.

Os temas polêmicos dos movimentos pela independência da Irlanda do Norte e do País de Gales também são mostrados por Jonathan Coe: enquanto que a irmã de Ben fica perturbada mentalmente após ver seu noivo ser assassinado brutalmente por uma bomba do IRA (Exército Republicano Irlandês, organização terrorista e política que luta pelo fim do domínio britânico na Irlanda do Norte), o próprio Ben é obrigado a ouvir um longo e violento discurso do tio de sua namorada – partidário da independência do País de Gales – contra os ingleses.

Mas Bem-vindo ao clube não seria tão bom se se concentrasse apenas em mostrar um retrato da Inglaterra dos anos 70: a verdade é que o livro de Jonathan Coe consegue prender a atenção do leitor da primeira à última página também por diversas outras qualidades. O autor não se perde com o grande número de personagens apresentados: praticamente todos – principais e secundários – são interessantes e coerentes, e a aparição deles raramente parece forçada. O livro também apresenta algumas técnicas diferentes de narração durante o seu desenrolar (por exemplo: em primeira e terceira pessoas; narrativas jornalística e epistolar), mas sempre de forma justificável – além de não dificultar demais o trabalho do leitor.

A verdade é que Bem-vindo ao clube é um excelente livro, muito bem escrito – mas com um viés um pouco melancólico: dá a impressão, às vezes, que Jonathan Coe parece saudoso da velha Inglaterra. Estou ansioso, aliás, para ver se esta impressão se confirma em O Círculo Fechado (lançado recentemente no exterior), a continuação de Bem-vindo ao clube, situando os mesmos personagens no final da década de 90.

(texto escrito no site Mondo Bacana, em 2008)

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There is 1 comment

  • Ronnei Afonso disse:

    Muito bom o relato sobre o livro, que por sinal gostei muito, é fácil se perder entre os personagens, mas no fim da tudo certo, risos. Aguardando a chegada do meu exemplar [Círculo fechado]. Que por sinal consegui por um preço ótimo na estante virtual, livro lacrado!

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