É difícil discordar de Pablo Kossa, um dos autores de Como John Lennon pode mudar sua vida (co-escrito por Alexandre Petillo e Eduardo Palandi – Geração Editorial, 316 páginas), quando este declara que “é impossível passar indiferente por John Lennon”. Realmente, a importância do mais polêmico dos Beatles para a cultura pop (ou, até, para a cultura de modo geral) é inegável. Gostando ou não dele ou de suas músicas, Lennon conseguiu uma legião de fãs tão grande – e obcecada – que é difícil para alguém que queira se aprofundar sobre a música (ou sobre o comportamento) dos últimos 40 anos não ter pelo menos algum interesse pela vida, ou pela obra, do autor de Imagine.
Como John Lennon pode mudar sua vida, apesar do título, não é, segundo um dos autores do livro, Alexandre Petillo, um livro de auto-ajuda: “existem poucos livros sobre John Lennon na língua portuguesa” e ele, um apaixonado pelo cantor e pelos Beatles, sempre sonhou em escrever alguma coisa. Mas “tinha que pensar em algo diferente”. Como Lennon é um artista auto-referente como poucos outros, daria para “tentar explicar como ele expôs tudo o que sentia em todos os momentos e transformou suas dores em canções geniais”.
Conforme se pode perceber, a idéia do livro foi criada por um fã declarado (aliás, só um dos autores, Eduardo Palandi, não gosta tanto assim de Lennon e dos Beatles). Este grande amor incondicional pelo cantor acabou causando alguns deslizes aqui e ali. Sobre Imagine, por exemplo, o livro declara que é “a reunião de frases mais transcendentais do século XXI [sic], coisa que nenhum guru conseguiu. Quem falou com mais virilidade sonhos como ‘viver a vida em paz’, ‘imagine que não existem países / não é difícil de fazer / Nada para matar ou morrer por / Nenhuma religião também’. É o sonho de cada um de nós, de todas as gerações. E sempre devemos incluir essa linha em nossas orações”: defender que Imagine é assim tão transcendental já é para lá de questionável, mas o pior é declarar que “todos nós” queremos um mundo sem religiões: boa parte dos seres humanos (entre os quais o autor destas linhas) não consegue se imaginar sem o conforto e o consolo de alguma religião organizada. Sobre a bela canção Happy Xmas (War is over), se lê: “assim, John começa: ‘Então é Natal / E o que você fez?’. Provando mais uma vez que a genialidade nasce das idéias mais simples”, o que faz imaginar que os autores de Como John Lennon pode mudar sua vida provavelmente nunca ouviram, por exemplo, os extremamente complexos e geniais últimos quartetos de Beethoven…
De todo modo, estes deslizes ocasionais estão longe de desestimular a leitura do livro. Apesar de os autores não terem tido o objetivo de específico de fazer uma obra de auto-ajuda, a sua estrutura o é (quem sabe, para evitar que algum leitor desavisado se sentisse enganado…). Os capítulos têm títulos como “Deixe um legado para a Humanidade”, “Resista às tentações” ou “Abrace causas, seja engajado, faça alguma coisa, caramba”, e mostram como cada aspecto da vida de Lennon pode servir de algum tipo de lição de vida. Por exemplo, os Beatles lutaram muito para chegar ao sucesso e isto pode servir de exemplo para o leitor, conforme é mostrado no capítulo “Muito trabalho, sexo e rock“. Outras lições embutidas na vida de Lennon: mesmo vivendo num fim de mundo, você pode ter sucesso (“Como nascer em Liverpool”); pense muito antes de confiar em alguém (“Filtre o melhor de seus ídolos”); deixe a vida mais leve, aprenda a ver o lado engraçado das coisas (“Refine o seu bom humor”); não tente resolver tudo sozinho (“Encontre um amigo leal” e “Como delegar poderes”).
O mais interessante desta “auto-ajuda” de Como John Lennon pode mudar sua vida é que ela não se leva muito a sério: no final de cada capítulo existe um parágrafo chamado “A lição barata embutida” resumindo a dica de auxílio ao leitor apresentada anteriormente. Os autores chamam estas lições de “baratas” porque elas não vêm corroboradas “por algum estudo específico”, mas nasceram da “filosofia de boteco compilada pelos editores, em suas experiências de vida”. Para dar um verniz mais sério à coisa, foi chamado o especialista em psicoterapia psicanalítica Dr. Renner Cândido Reis para escrever um capítulo, “A análise séria embutida”, sobre o psiquismo do cantor.
E qual é o Lennon que emerge das páginas do livro como um todo? Um sujeito capaz tanto de atos inequívocos de amor, como também de grandes atos de egoísmo – como, por exemplo, não dar atenção ao primeiro filho, Julian. Uma pessoa que pregava a paz, mas que era freqüentemente irascível e briguento. Um cantor de grande sucesso que muitas vezes tentava fazer com que os seus fãs não o tomassem como exemplo para nada. Uma pessoa bem-intencionada que acabou descobrindo que a maior parte das pessoas envolvidas com movimentos humanitários, libertários ou revolucionários não passavam de aproveitadores. Um homem freqüentemente amargo que trouxe consigo, para o resto da vida, a carga emocional de ter sido abandonado pelos pais quando criança. Um artista sempre inquieto e criativo que, em sua carreira solo, jamais tentou se acomodar em seu passado de glórias.
Em outras palavras, Lennon era um ser humano extremamente contraditório que, apesar de ser considerado quase um santo por muitos fãs, nunca fez questão de esconder suas fraquezas de caráter – e os autores de Como John Lennon pode mudar sua vida, acertadamente, também não escondem nada aos seus leitores.
(Revista Dominical do Jornal O Estado do Paraná, Curitiba (PR), p. 14 – 15, 09 jul. 2006.)
0
There are 0 comments