De tempos em tempos, resolvo vender uma boa quantidade de livros aqui de casa. Raramente me arrependo de ter me desfeito de algum, mas com Almas mortas, de Nikolai Gógol, a coisa foi diferente. É um livro inacabado e genial. A ideia é mais ou menos essa: um sujeito de caráter para lá de duvidoso, Tchitchikov, vai de fazenda em fazenda na Rússia do século XIX para comprar o direito de propriedade sobre camponeses que já estavam mortos de fato – mas não oficialmente. A ideia por trás do negócio de Tchitchikov era, com a posse de todos estes camponeses, conseguir um grande empréstimo para comprar uma fazenda.
Voltando ao livro do qual eu tinha me desfeito: um belo dia fiquei com saudades de Almas mortas e, graças ao site Estante Virtual, consegui obter uma edição da Editora Abril usada, semelhante àquela que eu tinha vendido. O romance era tão bom quanto eu me lembrava! Os fazendeiros russos, com sua avareza e mediocridade, são descritos com grande vivacidade e brilho – isto sem contar o inusitado da história. O fato de Nikolai Gógol ter praticamente enlouquecido durante a elaboração do livro e ter queimado metade dele depois de havê-lo reescrito duas(!) vezes não impede que a parte que foi publicada, sozinha, ter dado o status de obra-prima para Almas Mortas.
Gógol tinha um extraordinário dom de descrever a pequenez humana, conforme pude perceber recentemente na leitura da peça O inspetor geral. Neste caso, numa cidadezinha perdida na vastidão russa, se espalha um boato de que um inspetor do czar vem ver como estão as coisas na administração pública. O dito “inspetor” não passava de um jovem sem caráter, que tinha perdido todo o seu dinheiro no jogo. Logo ele percebe que os membros da administração pública querem adulá-lo com presentes e dinheiro para que sua “inspeção” não seja séria. A história é divertida mas sabemos, infelizmente, que este tipo de comportamento tem mais do que um pé na realidade.
A partir de O inspetor geral, acabei procurando mais coisas escritas por Gógol. Descobri que ele também criou contos fantásticos ou sobrenaturais, como O Nariz, em que um nariz resolve sair do rosto de seu dono e passear, e O Retrato, uma impressionante narrativa de um retrato amaldiçoado. Já O Capote, que conta a triste história de um pobre funcionário de inteligência limítrofe que se sacrifica para comprar um casaco, também tem um pé no sobrenatural, enquanto que Diário de um Louco parece (embora eu não tenha a menor ideia se isto de fato procede ou não) ter um pé nas próprias experiências de Gógol com a insanidade.
Enfim, Gógol, com suas descrições sempre vívidas de situações e personagens, é um autor que proporciona um grande prazer de leitura.
(texto escrito no início de 2015)
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