Low, de David Bowie
Música

Low, de David Bowie

6 de abril de 2015 0

Os discos Low, Heroes e Lodger foram produzidos em Berlim pela parceria do cantor David Bowie com o grande músico e produtor Brian Eno (entre muitas outras coisas, integrante fixo da primeira formação de Roxy Music e criador de álbuns sensacionais em sua carreira solo, como Another Green World e Before and After Science). Destes três álbuns da chamada “fase alemã” de Bowie (que foi de 1977 a 1979), o primeiro deles, Low, costumeiramente é considerado o melhor. Não é para menos: combinando música pop, tecnologia eletrônica e alguma influência da música erudita de vanguarda, o disco é brilhante em quase todos os aspectos.

O vinil de Low foi pensado em termos de dois lados bem distintos: o A é mais pop; o B, mais experimental. Mas nem tudo é tão simples como parece. No lado pop, graças às técnicas de gravação utilizadas, a voz e os instrumentos parecem robotizados, quadrados, esquisitos. As músicas têm uma atmosfera estranha, sintetizada e meio depressiva – e que acabou influenciando profundamente o pós-punk de bandas como Joy Division, Cure, Sisters Of Mercy e Bauhaus.

Ele começa com “Speed Of Life”, uma instrumental com um tema tão simples quanto marcante – graças a pequenos sons eletrônicos aqui e ali, já se começa a perceber que este não é um disco comum. Depois vem “Breaking Glass”, que é interessante e tem uma letra estranha: “Querida, eu tenho quebrado vidros em seu quarto de novo/ Escute/ Não olhe o carpete, eu fiz algo horrível ali”. A próxima, “What In The World”, não envelheceu muito bem mas o mesmo não se pode dizer da seguinte, “Sound And Vision”. A letra é etérea e bastante sugestiva (“Vagando na minha solidão, sobre minha cabeça/ Você não se espanta às vezes/ A respeito de som e visão?”), a melodia simples, grudenta e dançante. Com as técnicas de gravação já descritas, esta canção se transformou em um dos maiores sucessos da carreira de David Bowie – a ponto de, em 1987, ter sido chamada de Sound + Vision uma grande turnê de revisão da carreira do cantor, acompanhada do relançamento de toda a sua discografia anterior. “Always Crashing The Same Car”, a quarta, é interessante, mas um pouco monótona. Fechando o lado pop vem outra grande canção, “Be My Wife”. Aqui o tema é inesquecível e marcante, a letra simples e direta (“Às vezes você se sente tão sozinho/ Às vezes você está perdido/ Eu morei no mundo todo/ Eu deixei cada lugar”).

O lado B, experimental, começa com “A New Career In A New Town”, uma música instrumental com efeitos eletrônicos e um tema bem simples. O título, (“Uma Nova Carreira em uma Nova Cidade”), prepara o ouvinte para o que se ouvirá a partir dali: em seu primeiro disco em Berlim, Bowie começa a criar algo totalmente diferente do que tinha feito até então. A mudança para valer começa na próxima música, provavelmente a melhor do disco. Longa, lenta e quase que totalmente eletrônica e instrumental (há pequenos trechos cantados, mas numa linguagem incompreensível), “Warsawa” tem belíssimas linhas que vêm e vão, em efeitos para lá de arrepiantes. A seguinte, “Art Decade”, mantém-se no mesmo espírito da anterior, para a alegria (e o espanto, por que não?) do ouvinte. Depois vem “Weeping Wall”, agitada, obsessiva e minimalista, uma obra-prima diferente da parceria Bowie/Eno. Outra faixa lenta e longa fecha o disco com chave de ouro. Com uma sucessão de climas e temas extraordinários, “Subterraneans” é quase do mesmo nível de “Warsawa”.

Em resumo, Low tem um lado A pop que viria a influenciar decisivamente a música da década seguinte e um lado B experimental que está entre as coisas mais sofisticadas e belas já feitas por um músico popular – ao lado de, por exemplo, Before and After Science, disco solo de Brian Eno, e 100th Window, do Massive Attack. Convenhamos, não é pouco.

(texto publicado no Mondo Bacana em 2008)

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