“O império de Hitler”, de Mark Mazower: sempre tive curiosidade de saber como os nazistas se comportavam como colonizadores, coisa que este livro monumental explica.
“As luas de Júpiter”, de Alice Munro: tem gente que reclama do Prêmio Nobel de Literatura por causa disso e daquilo, mas eu provavelmente não conheceria autoras como esta canadense se não fosse a Academia Sueca.
“A época da inocência”, de Edith Wharton: um amor mal resolvido e os preconceitos e costumes dos ricos americanos do final do século XIX e início do século XX numa obra-prima.
Jed Martin é um artista plástico de sucesso, tendo feito uma exposição com fotos de ferramentas e outra com montagens de fotos de mapas Michelin, e é o personagem principal de “O mapa e o território”, do escritor francês Michel Houellebecq (Editora Record, tradução de André Telles, 400 páginas, publicado originalmente em 2010 e vencedor do Prêmio Goncourt). Quando vai fazer sua primeira exposição de pinturas – cujo principal tema é o trabalho, e na qual o maior destaque é um quadro chamado “Bill Gates e Steve Jobs discutem o futuro da informática” - ele resolve chamar o escritor Michel Houellebecq para fazer o texto do catálogo. Sim, Houellebecq acaba aparecendo no próprio livro como personagem e não de maneira elogiosa – solitário, amargurado, sem higiene, alcoólatra.
Jed Martin é solitário, compenetrado e tem alguns relacionamentos amorosos - mas nada muito profundo. Grande parte de “O mapa e o território” é dedicado à descrição de sua arte, e é pena que o assunto “artes plásticas” não chegue a me interessar muito.
Enfim, pela temática, pelo personagem principal e pela história este livro teria tudo para me desagradar, mas não foi o que aconteceu. Afinal de contas, que escritor sensacional é Michel Houellebecq! Li “O mapa e o território” com grande prazer, e não me entediei em nenhuma das suas 400 páginas.
(foto: france-amérique.com )
Logo no início do livro, o narrador Florent-Claude Labrouste, francês e com quarenta e seis anos, está na Espanha e começa a ajudar duas belas espanholas de cerca de vinte anos cada uma – uma de cabelos castanho-claros, outra de cabelos escuros – a trocar o pneu do carro delas. Florent-Claude Labrouste (nome que ele mesmo detesta) comenta que elas são lindas, e acrescenta que "nos últimos tempos ele havia esquecido" até que ponto "as garotas podem ser lindas”, e continua:
“Mas as garotas eram reais, e fui tomado por um leve pânico quando uma delas veio na minha direção. Tinha cabelo castanho-claro, comprido e levemente ondulado, e na testa usava uma faixa de couro fininha decorada com motivos geométricos coloridos. Um top de algodão branco cobria mais ou menos seus seios, e a saia top de algodão branco cobria mais ou menos seus seios, e a saia curta, esvoaçante, também de algodão branco, parecia prestes a se levantar com qualquer baforada de ar – mas não havia, esteja dito, nenhuma baforada de ar, Deus é clemente e misericordioso.”
O texto acima, logo no início de “Serotonina”, do francês Michel Houellebecq (Alfaguara, 240 páginas, tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht) é uma boa mostra do estilo do autor: frases longas com muitas vírgulas e comentários, o sexo como uma presença constante, tiradas extremamente cômicas – “Deus é clemente e misericordioso” é uma frase que se repete no Alcorão, o que dá um efeito inesperado no trecho transcrito.
No livro, Florent-Claude Labrouste é um engenheiro agrônomo de sucesso e, ainda por cima, herdeiro de uma grande fortuna, mas isso não o torna feliz: com relações sempre complicadas com (muitas) mulheres, aos quarenta e seis anos o narrador de “Serotonina” está solitário, e também sem desejo sexual, devido ao antidepressivo que está tomando. O livro, uma pequena obra-prima de tom engraçado e amargo ao mesmo tempo, conta as aventuras e desventuras de Florent-Claude Labrouste depois do encontro fortuito narrado acima.
Eu não sou muito dado a leituras sociológicas dos romances que leio, mas se há um livro que narra de modo implacável aspectos importantes da vida moderna – o uso dos antidepressivos, a falta de esperança generalizada, o desinteresse pelo mundo -, é “Serotonina”, deste grande Michel Houellebecq.
Num futuro próximo, um partido islâmico chamado “Irmandade Muçulmana” ganha as eleições na França e começa a modifica o dia-a-dia dos franceses. O desemprego desaba rapidamente, já que as mulheres devem ficar em casa cuidando dos filhos, a poligamia é estimulada, as estudantes universitárias devem cobrir a cabeça e a educação é obrigatória somente até os doze anos de vida. Este é o tema de fundo de "Submissão", brilhante romance vagamente distópico do francês Michel Houellebecq (Alfaguara, 253 páginas).
O livro é contado em primeira pessoa por François, professor de literatura especialista no escritor francês J.K. Huysmans (1848-1907), escritor decadentista, autor da obra-prima "Às avessas" e que se converteu ao catolicismo no final da vida. François é solitário, cínico, e amante de mulheres bem mais jovens que ele.
Assim como seu personagem principal, o romance "Submissão" é cínico e, apesar de parecer contra o islã em uma ou outra passagem, está longe de ser um manifesto antimuçulmano. Independentemente de qualquer coisa, o romance tem passagens engraçadíssimas e, como um todo, é delicioso de ler.
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