A honra perdida de Katharina Blum
Literatura

A honra perdida de Katharina Blum

30 de abril de 2015 0

Katharina Blum é uma empregada doméstica muito séria, que odeia quando os homens lhe são “inconvenientes”, previdente com dinheiro (chega a comprar um apartamento e um carro com suas economias), e com pouquíssimo senso de humor. Esta moça tão séria também tem lá suas peculiaridades: adora dançar, leva alguns homens para casa, mas tudo isto não chega a representar um problema: pior mesmo é quando ela se apaixona por Ludwig Gotten, um fora-da-lei (terrorista? bandido?) caçado pela polícia. A paixão de Katharina pelo rapaz é de tal monta que ela o ajuda a fugir quando de uma perseguição policial. É então que os problemas da moça começam: um jornal sensacionalista (chamado simplesmente de JORNAL) começa a persegui-la implacavelmente, chamando-a de terrorista, de comunista, de fora-da-lei. Ninguém foge da sanha irresponsável do JORNAL: nem Katharina, nem seus empregadores, nem seus amigos, nem sua mãe. No ápice da irritação a moça vai até o jornalista responsável pela perseguição e o mata a tiros de revólver. Esta é, basicamente, a história apresentada no “conto longo” (conforme a definição da editora do livro, a Artenova) “A honra perdida de Katharina Blum”, do alemão Heinrich Böll – prêmio Nobel de 1972. E não tem nenhum spoiler no que foi apresentado acima: o assassinato do jornalista é citado já no terceiro dos 58 curtos capítulos do livro.

Publicado originalmente em 1974, a história de “A honra perdida de Katharina Blum” se passa na Alemanha Ocidental no auge da Guerra Fria, e a paranoia daqueles tempos perpassa todo o livro: para que se tenha uma ideia, “comunista” é o maior insulto que o JORNAL utiliza contra aqueles que persegue. A crítica ao jornalismo sensacionalista é outra característica marcante da obra: a maneira como o JORNAL distorce os depoimentos tomados durante o “caso Katharina Blum” é abjeta – impossível de ser repetida, quem sabe, nestes tempos politicamente corretos. De todo modo, se fosse apenas uma crítica à imprensa marrom e um retrato da Guerra Fria, “A honra perdida de Katharina Blum” poderia ter sido um livro datado, que teria envelhecido mal. Mas não é o que acontece: este “conto longo” é muito mais do que isso.

A técnica utilizada por Heinrich Böll é engenhosa: a história começa do fim e vai retrocedendo para o começo, e vários assuntos que serão desenvolvidos ao longo do livro são “jogados”, de chofre, sem maiores explicações – cabe ao leitor montar os diversos quebra-cabeças que aparecem. Mas o maior charme de “A honra perdida de Katharina Blum” está no carinho que o autor tem pela personagem principal (de inegável riqueza psicológica) e na maneira divertida pela qual história é contada (apesar da denúncia contra o sensacionalismo). O trecho que vou reproduzir abaixo conta uma das inúmeras confusões que aparecem na obra, e o tom falsamente sério e debochado que Heinrich Böll utiliza é um primor:

É fácil imaginar que nesse ponto houve desentendimentos muito graves no gabinete de Blorna, inadequados àquele meio-ambiente. Dizem – dizem – que Straubleder realmente tentou agredir Trude Blorna fisicamente, mas o marido o conteve, chamando a atenção sobre a impropriedade de se agredir uma dama. Dizem – dizem – que Straubleder retrucou que uma mulher tão linguaruda não merecia ser chamada de dama, e que ele não admitia que ela mencionasse aquela malfadada palavra, que ela não tinha o direito de usar a ironia ao comunicar acontecimentos trágicos, e se ela mencionasse aquela palavra mais uma só vez, então – sim – então seria o fim.

0

There are 0 comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *