O disco de estreia do Korn
Música

O disco de estreia do Korn

28 de abril de 2015 0

Se na história do heavy metal o ano de 1970 será sempre lembrado pelo lançamento do primeiro disco do Black Sabbath, 1994 vai ficar registrado como o ano do álbum de estréia do Korn. Os paralelos entre eles – além de terem sido batizados apenas com os nomes de suas respectivas bandas – é evidente: ambos são sombrios e agressivos, representando uma espécie de ruptura com quase tudo o que veio antes, tanto em termos de temática como, principalmente, de sonoridade.

Além disso, a influência dos dois é decisiva e inquestionável, mas com uma diferença: se por um lado o Black Sabbath só passou a ser massivamente influente mesmo quase duas décadas depois de seu primeiro disco (com o advento do grunge), Korn, o disco, em pouco tempo passou a ser considerado o marco inicial no movimento que revitalizou decisivamente o heavy metal, o muitas vezes incompreendido e subestimado (porém extremamente popular) nü metal.

O Korn nasceu em 1993 em uma cidadezinha da Califórnia chamada Bakersfield. Veio da dissolução de duas bandas: ArtSex e LAPD. Jonathan Davis, o vocalista, alcoólatra e depressivo, entre outros empregos chegou a trabalhar como assistente de legista em um necrotério – e esta experiência provavelmente influiu na sua visão mórbida de mundo.

Korn é um disco raivoso, violento, amargurado, vingativo. Em praticamente todas as letras o vocalista despeja suas frustrações e raivas com uma enorme sinceridade. Os objetos de seu ódio são as drogas que deixaram-no “cego” na adolescência (“Blind”), alguém que tinha sido amado (“Need To”), um skinhead (“Clown”), os que o chamaram de homossexual na juventude (“Faget”), alguém que não o quis e que agora o quer (“Divine”), o auto-engano (“Lies”). Em “Helmet In The Bush”, Davis pede desesperadamente a Deus para poder dormir. A letra mais impressionante é a de “Daddy”, na qual ele descreve os abusos sexuais que sofrera na infância (ao contrário do que diz a letra, na vida real foi um vizinho – e não os pais – o abusador; estes, porém, não acreditaram nele). “Você estuprou/ Eu me sinto sujo/ Machuca/ Como uma criança/ Amarrado/ ‘É um bom garoto’/ E fode/ Seu próprio filho/ Eu grito/ Ninguém me escuta/ Machuca/ Não muito/ Meu Deus/ Viu você olhar/ Mamãe, por quê?/ Seu próprio filho”.

A guitarra e o baixo são afinados abaixo do tom usual, resultando em uma sonoridade extremamente sombria e violenta (eu mesmo achei a banda terrivelmente agressiva e desagradável quando a conheci, com aquelas notas graves todas). Some-se a isto o punch invejável da banda, que faz um perfeito contraponto com o vocal e as letras de Jonathan Davis (cuja maneira de cantar também impressiona, por causa da freqüente variação de estados de espírito, indo do sussurrado até o grito desesperado). Outra característica do Korn – embora não tão importante quanto em outras bandas de nü metal que vieram depois – é o canto em forma de rap que aparece aqui e ali.

Os destaques do disco são “Clown” e “Lies”, ambas com hipnóticos continuum de baixo, guitarra e bateria nos refrões; “Divine”, rápida e agressiva; “Faget”, com seu impressionante tema de contrabaixo; “Shoots And Ladders”, que começa magistralmente com gaita de fole (tocada por Jonathan Davis); a hipnótica “Helmet In The Bush”; e, finalmente, a violentíssima “Daddy”, que inicia com uma espécie de canto gregoriano.

O visual também era original. Ao contrário da enorme maioria das bandas de heavy metal, desde o início o Korn sempre usou roupas esportivas e coloridas, como se fosse uma banda de rap. Além disso, instrumentos diferentes como a gaita de fole e até mesmo os dreadlocks de Jonathan Davis eram inusitados para “metaleiros”.

Pronto: afinação baixa, letras desesperadas, um pouco de rap e hip hop, visual mais descontraído que o comum no heavy metal, abertura para novas sonoridades… Todas as principais características do nü metal já estavam presentes no primeiro álbum do subestimado estilo. Na verdade, Korn, o disco, é uma verdadeira obra-prima.

(texto publicado no Mondo Bacana em 2008)

0

There are 0 comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *