Aritmética, de Fernanda Young
Literatura

Aritmética, de Fernanda Young

30 de março de 2015 0

Fernanda Young ficou tristemente célebre depois de algumas declarações bombásticas no programa Saia Justa, do canal de TV a cabo GNT. Por isso, muitos a chamam de, simplesmente, idiota.

É justo isso? Tudo parece indicar que não. Os Normais, seriado que ela escrevia junto com seu marido Alexandre Machado, foi um dos maiores sucessos (de crítica e público) dos últimos tempos da tevê Brasileira. Além disso, ela já pode ser considerada uma romancista madura.Aritmética, lançado recentemente pela Ediouro, é o seu quinto livro publicado.

O cerne da obra é o caso de amor obsessivo que um grande escritor, João Dias, tem com uma mulher chamada América. O que torna a relação especialmente opressiva é a regra que ela impõe para os encontros entre os dois: eles devem ser espaçados em períodos de tempos cada vez maiores, em uma progressão geométrica que acaba resultando em intervalos que duram décadas – daí o título Aritmética.

Esta relação louca vai transformando João Dias em sujeito amargo e pessimista. O veneno que lhe corrói a alma (e do qual ninguém suspeita da existência, já que ele é casado com outra mulher e não conta para ninguém sobre seu amor doentio) vai abalando as estruturas da família: incapaz de amar qualquer pessoa que não seja América, o grande escritor torna-se uma pessoa indiferente aos filhos, à mulher, aos netos. Eduardo, seu filho, joga-lhe na cara que ele fora um mau pai.

Eduardo é também escritor, mas de muito menos sucesso que João Dias. A crítica só admira um de seus livros, que conta com todos os detalhes um caso que ele teve com Elisa, uma jornalista depressiva casada com o fotógrafo Rigel, uma espécie de J.R. Duran da ficção, especializado em tirar fotos de mulheres nuas. Este, farto das crises da esposa, tem um caso com uma mulher solteira, Mariana, a qual está escrevendo um livro sobre seu “avô”, João Dias.

Para completar o encadeamento de triângulos amorosos e relações familiares descritos em Aritmética, o livro dá a entender – mas não de forma definitiva – que Mariana, cuja mãe se matou, fora criada pela avó, América.

Antes de mais nada, é preciso dizer que Fernanda Young domina com maestria o seu ofício. Consegue apresentar os sentimentos ou pensamentos das personagens de forma convincente, tem estilo de escrita fluente e utiliza muito bem algumas técnicas diferentes no decorrer do livro (por exemplo, escrita em primeira e terceira pessoas, capítulos longos ou formados apenas por uma frase, capítulos em forma de poema – e até mesmo um trecho escrito de trás para frente).

As personagens de Aritmética, porém, não são muito marcantes. A impressão que às vezes passa é a de que todas elas simplesmente se deixam levar pelos acontecimentos, nunca sabendo bem o porquê de suas próprias atitudes. A felicidade, aliás, parece quase não existir no universo de Fernanda.

Outro problema do livro é o próprio motivo da angústia permanente de João Dias. Parece pouco consistente basear um romance em um caso amoroso no qual os amantes se encontram a intervalos geometricamente cada vez maiores no tempo.

Quem sabe o segredo da obra esteja no desabafo final de Mariana, quando descobre o estranho relacionamento amoroso do “avô” escritor: “esta América é uma escrota, uma doente, tão doente quanto João Dias!”. Ela acaba concluindo que a família toda acabou amaldiçoada por causa desta praga.

Um grito desesperado de sanidade neste universo esquizofrênico apresentado em Aritmética.

(texto publicado no Mondo Bacana em 2008)

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