Lançamentos de rap – resenhas escritas em 2008
Música

Lançamentos de rap – resenhas escritas em 2008

9 de abril de 2015 0

O rap americano é um universo à parte, vastíssimo e multifacetado – o que costuma chegar até nós (Snoop, 50 Cent, Eminem) é apenas uma pontinha do iceberg. É, portanto, mais do que louvável a iniciativa da Sum Records em lançar um pacote de discos no estilo praticamente desconhecidos por aqui.

A maior parte dos novos lançamentos são provenientes do chamado Dirty South, como é chamada a zona dos rappers que moram em cidades do Sul dos Estados Unidos, como New Orleans e Atlanta. E é desta última que vêm os dois melhores álbuns de todo o pacote: Me & My Brother, da dupla Ying Yang Twins, e Kings Of Crunk, de Lil’ Jon & The East Side Boyz. Os dois grupos, que fazem parte da mesma gravadora (a TVT Records), são parte de um estilo chamado crunk, que é um tipo de hip hop com vocal doido e sujo, secundado batidas pesadas e dançantes, que canta as alegrias de sair para dançar em clubes, encher a cara, fazer sexo e fumar maconha. O objetivo doscrunkers é fazer música para as pessoas se divertirem mesmo.

Unido por amigos em comum, o Ying Yang Twins foi formado em 1996 por Kaine e D-Roc. Me & My Brother é seu terceiro álbum – Thug Walkinfoi lançado em 2000 e Alley: The Return Of The Ying Yang Twins em 2002. O disco é uma alucinante seqüência de faixas dançantes e alucinadas. Com o vocal rouco de Kaine e D-Roc e batida pesada e hipnótica, Me & My Brother é um lançamento imperdível de rap. São tantas as músicas excelentes que fica difícil apontar alguns destaques. De todo o modo, “Hahn”, “Whats Happnin!”, “Salt Shaker”, “Georgia Dome” e “Calling All Zones” parecem estar um pouco acima das demais.

Boa parte das letras tem o objetivo de deixar o povo no clube alucinado. Em “Hahn”, os rappers ficam pedindo para as pessoas no clube repetirem a interjeição “hahn!”. “Grey Goose”, o nome de outra faixa, é uma elegia à bebida preferida dos caras. “Salt Shaker” descreve o que eles fazem em um clube de strip-tease. E, como não poderia deixar de faltar em um disco de rap, Me & My Brother tem suas faixas misóginas (“Naggin’”, que, é preciso que se diga, é seguida pela resposta feminina: “Naggin’ Part II”), de glorificação à maconha (“The Nerve Calmer”), sexistas (“Georgia Dome (Get Low Sequel)”) e de vida nas ruas (a sensacional “Calling All Zones”).

Lil Jon, que tem os dentes incrustados de diamantes (!!!), e seus East Side Boyz (Big Sam e Lil Bo) já haviam lançado o álbum Put Yo Hood Upem 2001 e consideram Kings Of Crunk o “The Chronic” do crunk (referência ao clássico concebido por Dr. Dre no início dos anos 90). Realmente, o lançamento dos rappers de Atlanta é impactante: os três vocalistas cantam boa parte do tempo em uníssono – se bem que o verbo “gritar” parece mesmo mais apropriado. A junção dos seus berros com as pesadas bases atingem efeitos de arrepiar (em “Throw It Up”, “Bitch”, “Rep Yo City” e “Keep Yo Chullin Out The Street”).

Lil Jon & The East Side Boyz também chegam a excelentes resultados quando fazem rap misturado com rhythm’n’blues –“Nothin On” e “Nothins Free” possuem refrões com lindas melodias e letras safadas, cantados pela (excelente) vocalista Oobie. As letras do grupo, como as dos Ying Yang Twins (que, aliás, aparecem uma faixa de Kings Of Crunk), servem para deixar o povo alucinado no clube (“I Don’t Give A Fuck”, “Push That Nigga”, “Push That Hoe”), louvam a maconha (“The Weedman”) ou são puramente sexistas (“Play No Games”). Há também letras de ameaças aos inimigos (“Keep Yo Chillin Out The Street”) e uma que glorifica diamantes (“Diamonds”).

Também do Dirty South mas originário de New Orleans é o rapper B.G. (Baby Gangsta), também conhecido como B.Gizzle e o autor do álbum duplo Livin’ Legend (interessante notar que só se percebe que são dois CDs quando o álbum é aberto – o segundo disco, com bonus tracks e sem ficha técnica, não é mencionado na parte externa da caixa, provavelmente para que os lojistas só cobrem o preço de um disco). Realmente não é um exagero chamá-lo de lenda vida, já que ele gravou seu primeiro contrato com a gravadora Cash Money quando tinha apenas onze anos (?!).

Livin’ Legend é seu sétimo álbum (ele está com 23 anos) e o primeiro pela Chopper City Records. Em mais de uma faixa, aliás, B.G. detona ex-companheiros da antiga gravadora, de onde ele saiu por problemas com drogas. As faixas de Livin’ Legend começam bem, com o estilo lento e sincopado das bases e a voz rouca e um pouco anasalada do rapper. Mas em poucas faixas o estilo de B.G. vai cansando o ouvinte. No final das contas, as melhores faixas são aquelas em que ele recebe convidados: as hipnóticas “I’m Outta Here” e “Duckin’ The Law”, com seus colegas de gravadora Sniper e Hakim (não confundir com Rakim, da legendária dupla Eric B and Rakim); e as suingadas “Only For You”, com a cantora Windy; e “Let It Flow”, com Windy, Gar, Sniper e Hakim.

Os temas não fogem do usual em discos de gangsta rap. Há auto-glorificação/ameaças aos inimigos (“Reality Check Part 2”, “Fuck That Shit”, “It’s All On U Vol.2”), sexo (“Only 4 U”). Além disso, B.G. emociona quando fala de um amigo que faleceu (“R.I.P”), ou ainda de seus filhos pequenos (“My Son And My Daughter”).

Há algo de errado com On My Own, do último rapper do Dirty South (New Orleans, neste caso) a ser analisado aqui, chamado Magic. Não sei bem o que é, mas tem algo nele que não passa. Suas bases não são tão ruins, algumas músicas chegam a ser legais mesmo (“International Gangstas”, “Down Here”, “My Life”, “All I Do”). Se fosse para apostar, eu diria que Magic tenta passar por um gangsta rapper malvado – mas que de malvado não tem nada. É só ver as caretas de mau pouquíssimo convincentes das suas fotos no encarte para saber do que eu estou falando: quando se ouve o sujeito a impressão que se tem é a mesma.

Caminhos diferentes
Os demais discos do pacote da Sum são de outras praias: Nu-Mixx Klazzics, do grande 2Pac Shakur, e Faster Than You Know, do Spooks.

É normal, depois da morte de um gênio da música, que as gravadores tirem leite de pedra para arranjar uns trocados – e com o rapper da Costa Oeste 2Pac Shakur (assassinado em 1996, e já citado anteriormente no Bacana – leia aqui) a coisa não é diferente. Este Nu-Mixx Klazzics, lançado pela sua gravadora original, a Death Row Records, apresenta remixes de seus grandes sucessos e está longe, muito longe de ser um disco ruim.

As novas caras das músicas definitivamente fazem sentido, têm bom gosto e, na maioria das vezes, criam excelentes climas. Só que a grande qualidade de 2Pac estava na grande força interpretativa – e não se sente 10% desta força nestas faixas sofisticadas de Nu-Mixx Klazzics. Em outras palavras: este é um excelente disco, mas para quem não conhece a obra original.

O Spooks é um grupo de rap com três MCs (Booka T, Hypno e Joe Davis) e uma vocalista (Ming-Xia). Seu mais recente lançamento, Faster Than You Know, é o último álbum do pacote da Sum analisado aqui. Os membros do Spooks, palavra cuja tradução mais próxima é “espectro’, costumam dizer que vivem nas sombras e fazem mistério a respeito de suas origens – só dizem que são do Leste dos Estados Unidos. A formação do grupo acaba levando a um tipo de rap com refrões cantados/estrofes faladas, o que acaba estragando um pouco o efeito-surpresa da entrada da vocalista.

Independente disso, a irregularidade do álbum salta aos olhos. Faster Than You Know contém algumas poucas pérolas indiscutíveis, com refrões belíssimos (a faixa-título, “Don’t Be Afraid”, “More To Learn”, “Eulogy”), enquanto as demais faixas ficam naquele limbo – nem muito boas, nem muito ruins, muito pelo contrário. Quanto à temática, o álbum é o único lançamento deste pacote com mensagens positivas, distantes do universo gangsta e um pouco mais próximas, portanto, das dos seus ídolos do De La Soul [a banda também elege, entre suas influências, James Brown; Earth, Wind & Fire; Björk; Radiohead e U2 (?!)]. A faixa-título, por exemplo, desanca os gangsta rappers e tudo o que eles glorificam, enquanto “A Hit” reclama das pressões das gravadoras para que eles façam sucesso.

(texto publicado no Mondo Bacana em 2008)

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