“Perto do Coração Selvagem”, de Clarice Lispector
Literatura

“Perto do Coração Selvagem”, de Clarice Lispector

20 de julho de 2016 0

Não sei se é por causa da minha formação de engenheiro (provavelmente não), mas, quando leio um livro, tendo a gostar de uma temática mais ou menos objetiva. Fico fascinado com os longos comentários paralelos nas histórias de Proust, em que ele começa a contar alguma coisa que está relacionada ao fio principal da história, utiliza páginas e páginas e, quando começo a achar que ele se perdeu, ele retoma o que estava contando. Este meu gosto pela objetividade também me faz ter alguma dificuldade na leitura de poesia, de maneira geral.

De todo modo, há leituras que nos desafiam exatamente por nos retirar da zona de conforto como leitores, e “Perto do Coração Selvagem”, o primeiro romance de Clarice Lispector, publicado quando ela tinha vinte anos, se enquadra neste caso.

O livro conta a história de Joana: ela perde a mãe quando era muito criança e passa a ser criada pelo pai, que falece alguns anos mais tarde – e vai então viver com um casal de tios. Lá a coisa não é fácil, e a tia chega a chamá-la de “víbora” antes de mandá-la para um colégio interno – onde Joana tem uma paixão avassaladora por um professor. Anos mais tarde, ela se casa com Otávio (não fica claro se ele é só advogado ou advogado e escritor), que volta a ter um caso com uma antiga namorada, Lídia, depois do casamento. Joana abandona o marido depois que sabe do romance extraconjugal dele e passa a viver num triângulo amoroso com um homem – cujo nome não aparece no livro – sustentado pela esposa.

Tudo o que é contado acima não aparece sempre com clareza para quem está lendo, que tem de agir frequentemente como se estivesse montando um quebra-cabeças mental. Além disso – e aqui o leitor que está em busca de objetividade sofre –, os estados mentais de Joana (e também os de Otávio, em menor grau) vão sendo descritos às vezes em sequência, às vezes aleatoriamente: eu nem sempre sabia por que Clarice Lispector estava descrevendo um estado de espírito ou outro. Frequentemente, no romance, o detalhe parece se sobrepor ao todo.

E, quer saber? “Perto do Coração Selvagem” não deixa de ser um obra-prima porque as coisas ali às vezes parecem não fazer muito sentido dentro do todo que é o romance.

Afinal de contas, nem sempre tudo o que acontece na vida faz sentido, né?

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