Três biografias de São Francisco de Assis
Religião

Três biografias de São Francisco de Assis

1 de fevereiro de 2016 1

“Ortodoxia” e “O homem eterno”, do escritor inglês G.K.Chesterton, são duas das mais extraordinárias obras de teologia que já li. Com o objetivo principal de defender a religião de uma maneira geral e o catolicismo em particular contra os argumentos dos céticos, estas obras são escritas com tal vivacidade e poder de persuasão que mesmo ateus e agnósticos costumam admirá-las (um bom exemplo é este texto do colunista Marcelo Coelho a respeito de “Ortodoxia”).

Foi com a melhor das expectativas, portanto, que fui ler a biografia de São Francisco de Assis assinada por Chesterton. Infelizmente, parece que o autor achou que deveria continuar seus argumentos pró-católicos contra todos os céticos (e mesmo protestantes) na sua biografia do santo. Em “São Francisco de Assis” (Ecclesiae), deste modo, mais espaço é ocupado com as elucubrações do inglês do que com a história do santo. É bastante frustrante. De todo modo, as últimas frases do livro, em que ele compara seu próprio esforço como escritor com a grandeza de São Francisco de Assis, acabam compensando todo o resto:

Ele (o próprio Chesterton) sentirá imediatamente o desejo de ter feito infinitamente mais, e a futilidade de ter feito o que quer que fosse. Saberá o que significa ficar debaixo de tal dilúvio de maravilhas de um morto (São Francisco de Assis), e nada ter em troca para estabelecer contra ele; nada ter que colocar debaixo das arcadas suspensas e opressivas de semelhante templo de tempo e da eternidade, exceto essa pequena vela (a biografia escrita por Chesterton) que tão depressa se consome ardendo à frente das suas relíquias.

Como o próprio Chesterton escreve na introdução de seu livro, é muito difícil escrever uma biografia de São Francisco. Um dos pontos de vista possíveis é o da adoção de uma perspectiva cética, em que se elogia o lado “social” da vida do santo ao mesmo tempo em que se debocha do seu lado religioso (segundo Chesterton, as biografias de São Francisco escritas por Renan e Matthew Arnold são dois exemplos deste tipo). Outro ponto de vista é o da adoção do extremo oposto, levando em conta apenas o lado religioso e interpretando a história do santo sob uma perspectiva quase divina: é o que basicamente fez o frei Inácio Larrañaga em seu “O irmão de Assis” (Paulinas). O autor desta biografia mostra o “desejo oculto de Deus” em cada acontecimento na vida de São Francisco, resultando num estilo chato na melhor das hipóteses, pretensioso na pior (como mesmo ele sabe exatamente qual foi o desejo de Deus em cada acontecimento na vida do santo?).

Não é exatamente o que Chesterton descreve, mas o terceiro ponto de vista possível numa biografia do santo de Assis é o de um historiador, baseado em documentos de época, objetivo e respeitoso ao mesmo tempo. É o que acontece com a brilhante “Vida de um homem: Francisco de Assis”, escrita por Chiara Frugoni (Companhia das Letras). O santo que emerge do livro é um sujeito meio louco (louco de Deus?), profundamente bondoso, corajoso, bem-humorado, devoto extremo da Santa Pobreza.

Não é necessário adotar um ponto de vista “de Deus” para se maravilhar com a vida de São Francisco de Assis: os documentos falam por si.

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There is 1 comment

  • Alcindo Manzano disse:

    Olá, Fabrício! Meu nome é Alcindo e cheguei até aqui pesquisando no Google a expressão “melhores biografias de São Francisco”. Coincidentemente, acabei de ler o livro do Chesterton e buscava por um volume com mais conteúdo histórico. Permita-me, entretanto, uma leve discordância. Considerei o livro de Chesterton tão genial quanto “Ortodoxia” e “O Homem Eterno”, um “afresco” medieval, colorido e simbólico, diametralmente oposto às sombras, ao ambiente cinzento e à sisudez que imaginamos daquele período. Me parece nitidamente que o esforço imaginativo do autor concentrou-se em enfatizar, para muito além dos fatos históricos, o lirismo que permeou desde sempre vida a vida do Santo, suas motivações e paixões tão diferentes do homem contemporâneo, num esforço para assim torná-lo alguém real, próximo, acolhedor, acentuando sua grandeza. O capítulo “O Mundo que São Francisco Encontrou”, que se encerra como uma pintura em que se vê, sobre o pano de fundo histórico que o autor acabara de descrever a projeção do Santo no alto de uma colina me foi, pra dizer o mínimo, arrebatador. Chesterton é um poeta. E apenas um poeta seria capaz de ao menos arranhar a alma de outro ainda maior. Recomendaria, por certo, como primeira leitura. Porém, aqui estou, e te agradeço a indicação do livro de Chiara Frugoni, que será minha próxima jornada. Estou pronto para mais conhecer mais histórias de “il poverello”, um amigo separado de mim por 800 anos de “distância”, que me foi apresentado intimamente por Chesterton.

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