“Tampa”, de Alissa Nutting
Literatura

“Tampa”, de Alissa Nutting

21 de dezembro de 2015 0

Livremente baseado na história de Debra Lafave, uma bonita professora americana que foi condenada por manter relações sexuais com um aluno de 14 anos em 2006, “Tampa”, de Alissa Nutting, foi descrito como o “livro mais repugnante e controverso do verão” de 2013. Não é para tanto, mas a definição faz algum sentido.

O romance conta a história da professora Celeste Price, de 26 anos. Ela é casada com um policial que, por ser de família rica, consegue lhe dar um excelente padrão de vida; e ela só está com ele por causa do dinheiro mesmo. Fazer sexo com ele a repugna e quando o tempo entre uma relação sexual e outra se alonga muito ela acaba cedendo – mas só depois de muita bebida e tranquilizantes. O que Celeste Price gosta mesmo é de garotos no início da adolescência. A descrição da atração que ela sente pelo seu aluno Jack Patrick mostra bem o que ela sente em relação a rapazes nesta idade:

Ele estava exatamente naquele último ponto de ligação com a androginia que a puberdade lhe permitia: inegavelmente masculino, mas não homem. Eu adorava a suavidade de seus braços e pernas desajeitados, a plasticidade de seus membros, a sua constituição física ainda livre de gordura e músculos. O corpo ainda sem uma modelagem fixa.

A partir do trecho acima, quem leu “Lolita”, do russo Vladimir Nabokov, deve lembrar das descrições que o narrador Humbert Humbert faz das meninas no início da adolescência que o excitavam. Não à toa, “Tampa” é frequentemente comparado com o livro de Nabokov – o que não deixa de ser uma injustiça, já que “Lolita” é um dos maiores clássicos da literatura do século passado, enquanto que o tom geral de “Tampa” é o da farsa (com algumas passagens hilariantes inclusive).

Celeste Price age com um bom grau de psicopatia: para satisfazer seus desejos por adolescentes, dá aulas em turmas apenas com alunos desta idade; entre os muitos candidatos, ela escolhe aqueles que não são muito extrovertidos para fazer sexo com ela, já que têm menor probabilidade de saírem contando para os outros o relacionamento com a professora; do mesmo modo que ela não se incomoda nem um pouco com o estresse que causa em seu marido pela abstinência sexual que lhe impõe, ela não tem a menor ligação emocional com os garotos com os quais se relaciona – sua única preocupação é que eles não façam escândalo quando forem abandonados (por estarem grandes demais para excitá-la).

Em “Tampa” são descritos os relacionamentos de Celeste Price com dois garotos: Jack, com quem tem uma relação para lá de tórrida, e Buck, com quem ela começa a ter um caso depois que o primeiro se muda de cidade. Os dois – como era de se esperar – ficam mais do que felizes com o relacionamento que têm com a belíssima professora. Não dá para contar mais detalhes para não estragar a surpresa.

A questão incômoda que “Tampa” suscita é que Celeste Price é psicopata e pedófila, mas não chega a causar a mesma repugnância que Humbert Humbert causa em seu relacionamento com sua Lolita: pedófilas mulheres que fazem sexo com garotos adolescentes parecem “mais fáceis de aceitar” que homens adultos fazendo sexo com jovens garotas. Neste sentido, em uma cena do livro que se passa num programa de televisão um entrevistador pergunta para o advogado de Celeste: “se você fosse um adolescente, chamaria a experiência sexual com ela de abuso?”

Se por um lado é inegável que o comportamento de Celeste Price na ficção (como o de Debra Lafave na realidade) deve mesmo ser punido, por outro este tipo de pedofilia suscita este tipo de pergunta difícil de ser respondida.

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