Meus discos preferidos em 2003 – segunda parte
Música

Meus discos preferidos em 2003 – segunda parte

18 de dezembro de 2015 0
  1. Morrissey: Vauxhall and I

Foi enorme o impacto na Inglaterra quando este disco saiu: não só foi recebido com fogos de artifício pela imprensa local, como chegou ao topo das paradas. A cada vez que lembro deVauxhall and I o que me vem à cabeça inicialmente é o impacto que senti quando comecei a ouvi-lo pela primeira vez: não, por mais que todos estivessem falando que esta era uma obra-prima eu não esperava nada semelhante à belíssima Now My Heart Is Full, a faixa que abre o disco.

Épico, dramático, melodioso, este é um disco sublime, profundo, confessional. Fora a música citada acima, os maiores destaques são o hit The More You Ignore Me, The Closer I Get, o folk Why Don’t You Find Out For Yourself e a dramática Speedway.

  1. João Mineiro e Marciano: Coleção Bis Sertanejo (dois CDs)

Aqui eu escrevi sobre a injustiça que é termos vergonha de dizer gostamos de João Mineiro e Marciano – isto para fãs de Djavan, Barão Vermelho, Men at Work e Kid Abelha.

A voz de Marciano é provavelmente a mais profunda da música brasileira, só comparável com a do Roberto Carlos romântico dos anos 70.

Esta sensacional coletânea tem momentos simplesmente sublimes – como Eu Daria A Minha Vida, Te Amo Mas Adeus e Seu Amor Ainda É Tudo (“A vida nos faz tão pequenos / nos preparamos para muito / mas choramos por menos”) – e outros deliciosamente bregas – como A Mulher Que Eu Amo (“Só deixamos de amar quatro dias por mês”) e Whisky Com Gelo(“por você já bebi tanto / que já estou ficando bem conhecido”).

  1. Smiths: Strangeways, Here We Come

É incrível que tem muita gente que acha este o pior disco dos Smiths. Aqui eu tento reparar esta injustiça.

  1. J.S. Bach – Oferenda Musical (BWV 1079), com Musica Antiqua Köln

Era férias, eu treinava natação até as dez da manhã, jogava futebol de salão até o meio-dia. De tarde eu me fechava no quarto e ficava lendo Thomas Mann (que eu entendia) e William Faulkner (que eu não entendia) ouvindo principalmente a Oferenda Musical de Bach com o conjunto Musica Antiqua Köln.

Bem mais tarde comprei outra versão desta monumento da música (também em LP), muito pomposa, com a Academy Of St. Martin-in-the-Fields sob a direção de Neviller Marriner. A versão da Musica Antiqua Köln, com instrumentos de época, é muito melhor, mais simples e direta.

  1. Snoop Doggy Dogg: Doggystyle

Depois de sua extraordinária estréia em The Chronic, de Dr. Dre (terceiro lugar desta lista), em que torna imortal aquele que seria apenas um excelente disco, Snoop Doggy Dogg grava seu primeiro álbum, Doggystyle – praticamente tão bom quanto aquele.

Como The Chronic, Doggystyle é uma festa alucinante de ritmos  – e os maiores destaques são a espetacular Gin and Juice, Tha Shiznit, a sombria Murder Was The Case (que certamente inspirou os Racionais MC’s em Estou Ouvindo Alguém Me Chamar), a divertida Who I Am (What’s My Name)? e as hipnóticas Gz And Hustlas e Pump Pump.

  1. Tartini: Sonata para Violino e Baixo Contínuo em Fá Maior, op.1 no 12 e Concerto para Violoncelo e Cordas em Lá Maior (Coleção Mestres da Música, da Editora Abril)

Teresa: Pai, coloca música clássica pra eu dormir?

Eu: Sim, claro. Posso colocar aquele mesmo de ontem?

Teresa: Pode colocar aquele disco que você adora.

O disco que eu adoro é o LP de Tartini da Coleção Mestres da Música. É uma espécie de Vivaldi mais seco, mais direto – e mais emocionante.

  1. Miles Davis: Kind of Blue

Apesar de ter este disco há mais de quinze anos, apenas há pouquíssimo tempo me dei conta da real grandeza deste clássico absoluto do jazz. Embora todo ele seja excepcional, as faixas lentas Blue Is Green, que fecha o lado A, Flamenco Sketches, com uma extremamente sutil influência espanhola, são os maiores destaques.

  1. J.S. Bach: Toccatas vols. 1 e 2 (BWV 910 a 916), com Glenn Gould ao piano

Glenn Gould é freqüentemente considerado o maior dos intérpretes de Bach ao piano. Ele é também muito criticado, entretanto, por um certo excesso de liberdade em relação às partituras.

Realmente, é freqüente que se perceba em Glenn Gould interpretações completamente diferentes daquelas de outros pianistas – mas normalmente a decisão tomada por Glenn Gould é a melhor. É delicioso, por exemplo, ouvi-lo tocando piano praticamente martelando-o como se fosse um cravo – um belo exemplo disso é no Prelúdio n.1 do Primeiro Volume do Cravo Bem Temperado, aquele em que Gounod se baseou para compor a sua Ave Maria.

Para figurar aqui os escolhidos foram os dois LPs com as sete Toccatas para teclado, principalmente pelas emocionantes e intensas fugas finais de cada uma das peças e por alguns adagios simplesmente arrebatadores.

  1. Morrissey: Kill Uncle

Parece provocação. Aquele que é quase que universalmente considerado o pior disco da carreira de Morrissey aqui, numa lista de discos preferidos.

Mas Kill Uncle, como se diz, melhora a cada dia que passa. Por mais que Morrissey seja considerado um compositor depressivo (o que eu tentei refutar aqui), Kill Uncle é o único disco realmente amargo de sua carreira – talvez até por isso o Morrissey praticamente não cante mais as suas músicas em seus shows. Os grandes destaques são a intensa Found, Found, Found, as pungentes I Am The End Of A Family Line e There’s A Place In Hell For Me And My Friends, a “alegreSing Your Life e as complexas The Harsh Truth Of The Camera Eye eMute Witness (comentada por mim aqui).

Escute sem preconceito para perceber que isto aqui não é uma provocação.

  1. Massive Attack: Mezzanine

Recentemente li uma crítica falando mal do disco mais recente do Massive Attack, 100th Window (que ainda não ouvi), dizendo algo como se ele “estivesse cumprindo o que Mezzaninejá prometia”. No texto ainda era comentado que bom mesmo era o tempo em que o Massive Attack era apenas pop (cito de memória).

Realmente Mezzanine é um disco pretensioso. Ritmos hipnóticos vêm e vão, ruídos eletrônicos de fundo, mudança  temática, tudo isto tem à exaustão no disco. Algumas músicas são tão complexas que chegam a lembrar vagamente música erudita – não é à toa que meu amigo Gil, que entende muito mais de música clássica que eu, adorou o disco.

Ainda bem que o Massive Attack é pretensioso, eu diria. Mezzanine cintila.

  1. Papa Roach: Infest

Parece uma outra provocação, eu sei. Praticamente não sei de ninguém que goste da banda, fora o crítico Lucio Ribeiro, meu primo Alberto e o balconista que me vendeulovehatetragedy, o segundo disco deles (o comentado aqui é o primeiro do grupo – e o único desta lista que obtive pela internet). A extinta revista Showbizz fez uma crítica sobre Infestque dizia mais ou menos o seguinte: o que o Papa Roach e bandas similares querem fazer é destruir a melodia. Só que a revista deu nota 3,5 (cito de memória) para o disco, enquanto que eu o coloco na minha relação de discos preferidos.

Quem sabe a destruição da melodia seja o objetivo final deste estilo musical chamando rock and roll mesmo (ver mais detalhes aqui).

Quem sabe eu simplesmente esteja errado – mas a cada vez que escuto Infest gosto mais dele.

  1. Beatles: White Album

Eu não gostava muito dos Beatles. Para mim, dos anos 60 os bons mesmo eram os Doors.

Mesmo assim eu tentava gostar da banda. Comprei o Sgt. Peppers – mas achei que tinha jogado dinheiro fora.

Com este histórico desfavorável, não sei bem por que comecei a comprar vários LPs dos Beatles em promoção numa loja que estava de mudança.

Só o que eu sei é que comecei a adorar as baladas do White Album (Blackbird, Dear Prudence, Cry Baby Cry, Glass Onion, Mother’s Nature Son, Julia) e, ainda durante um bom tempo, disse para os meus amigos que só gostava das músicas “desconhecidas” da banda.

Hoje em dia considero os Beatles uma banda espetacular, conforme comentei aqui.

Mas, no fundo, ainda acho que eles nunca foram melhores do que nas baladas do White Album.

  1. Mahler: Das Lied von der Erde, com Jessye Norman – London Symphony Orchestra – Colin Davis

Este LP está aqui por causa do lado B, com o monumental lied para orquestra Der Abschied (O Adeus). Não há muito a acrescentar ao que eu já tinha comentado aqui.

  1. Beethoven: Os Últimos Quartetos de Cordas, com Melos Quartett

Eu tenho uma estranha “relação” com os Últimos Quartetos de Cordas de Beethoven, que tenho numa ótima edição em quatro LPs com o Melos Quartett. Para começar, esta edição tem um encarte detalhado sobre os discos – o qual eu mal folheei. Além disso, quando vou ouvir uma das peças, pego aleatoriamente um dos LPs e coloco um dos lados dele no meu toca-discos – sem sequer saber se o lado é o A ou o B. Após umas quatro ou cinco audições, viro o disco e escuto mais algumas vezes o outro lado. Com este método, eu nunca sei o número do quarteto que estou ouvindo.

Em todo caso, a qualidade, a criatividade e a gama de estados de espírito destas peças são tão imensas que, pensando bem, nem é necessário mudar a minha “relação” com elas.

  1. Black Sabbath: Black Sabbath

Se não me engano, o José Augusto Lemos chamou o Stooges de bomba de efeito retardado – graças à influência que seus discos, do final dos anos 60/início dos anos 70, exerceram sobre o punk de 1977.

Nada mais justo que este epíteto seja também aplicado ao Black Sabbath com Ozzy Osbourne, já que o álbum Black Sabbath, de 1970, e uns quatro ou cinco discos que vieram depois, foram fundamentais na eclosão do movimento grunge. O tipo de rock que o Black Sabbath fazia, lento e pesado, foi influência reconhecida por praticamente todas as bandas importantes de Seattle do início dos anos 90 – o que fez com que o legado do Black Sabbath fosse totalmente recuperado e reconhecido. Mesmo hoje bandas importantes como o Queens Of The Stone Age continuam tentando soar como o velho grupo de heavy metal de Birmingham (conforme comentei aqui).

Quanto a mim, continuo firme na minha opinião de que o grande legado do grunge foi mesmo ter feito a crítica reconhecer a importância do  Black Sabbath. Os extraordinários riffs da guitarra de Tony Iommi combinam à perfeição com a voz meio soturna e meio debochada de Ozzy Osbourne. E Black Sabbath, por uma cabeça de vantagem, é o melhor disco da banda.

  1. Metallica: Master Of Puppets

Tirar a poeira de antigos LPs de pop/rock pode ser uma coisa perigosa. Quinze anos depois a grande maioria destes discos simplesmente não faz mais o menor sentido. E isto, no meu caso, nem pode ser creditado a algum trauma de adolescência ou coisa parecida, graças a algumas poucas exceções a esta terrível regra geral – como Beatles, Velvet Underground, Smiths e este espetacular Master Of Puppets.

É engraçado que nos anos 80 eu gostava muito mais do primeiro disco do Metallica, Kill’ Em All, do que deste, o terceiro. Enquanto que o primeiro era mais pesado, mais rápido e mais direto, Master Of Puppets me parecia pretensioso demais, com suas alterações de ritmo, suas músicas muito longas e seus enormes trechos instrumentais – sem contar que ele me parecia menos rápido e menos pesado do que seria aconselhável.

Hoje estes “defeitos” me fazem achar este um disco extraordinário. Verdadeiras “suítes” pesadas como Disposable Heroes, Master Of Puppets, The Thing That Should Not Be e, principalmente, Welcome Home (Sanitarium) são mais uma prova de que pretensão não é necessariamente prejudicial à música pop.

  1. Stone Roses: Stone Roses

Assim como o disco anterior nesta lista, o primeiro álbum da banda Stone Roses, homônimo, também passou com louvor pela prova da poeira, conforme comentei aqui.

Recentemente este foi escolhido o melhor disco de todos os tempos pela NME, o que é mais uma prova de sua vitalidade.

  1. Johannes Brahms: The Cello Sonatas (op. 38 e 99), com Mstislav Rostropovich ao violoncelo e Rudolf Serkin ao piano

Considerada uma das maiores gravações deste dois extraordinários músicos, este LP com as duas sonatas para violoncelo de Brahms é o único responsável por esta relação ter estes esdrúxulos 36 discos. Explico: a idéia era ter 30, um número redondinho, mas, depois de chegar no 25o fiquei em dúvida: eu tinha oito discos para cinco lugares vagos. Decidi-me por cinco (do 26o ao 30o, acima) e tudo parecia resolvido. Aí resolvi ouvir o primeiro movimento, Allegro non troppo, da sonata n.1 op. 38.

Não teve jeito. Eu tive que colocar esta maravilha na minha relação (o 31o e o 32o vieram, então, no embalo).

  1. Roberto Carlos: Roberto Carlos (1972)

Como a idéia de uma relação de 30 discos já tinha fracassado, acabei esticando um pouquinho a lista.

A escolha deste disco do Roberto Carlos foi bastante insegura: o disco de 1974 tinha O Portão, A Deusa Da Minha Rua, Jogo De Damas e a fenomenal interpretação do Rei para Ternura Antiga, de Dolores Duran.

Mas este tem À Janela, Como Vai Você, de Antonio Marcos, Você É Linda, Acalanto, Por Amor, À Distância, A Montanha, Agora Eu Sei – todas elas pungentes, sinceras, emocionantes.

E ainda tem O Divã, provavelmente a melhor música de Roberto e Erasmo Carlos.

  1. Getz/Gilberto:  Stan Getz / João Gilberto

João Gilberto nunca cantou tão sussurrado quanto neste disco. Ele alonga os versos e canta “assoprando”, parecendo querer imitar o saxofone do grande músico de jazz Stan Getz, que finaliza todas as faixas. O disco todo é límpido, calmo, fascinante.

Apesar de The Girl From Ipanema, com a participação de Astrud Gilberto, ter feito um sucesso gigantesco, o melhor mesmo são faixas menos conhecidas como Pra Machucar Meu Coração, O Grande Amor e Vivo Sonhando.

  1. Smiths: The Queen Is Dead

Considerado geralmente o melhor disco da carreira do Morrissey, este álbum está aqui para fechar com alguma classe esta estranha relação de discos preferidos.

 P.S.:

  1. Exploited: Beat The Bastards

Este texto já estava pronto quando meu grande amigo Marcos Fernands mandou-me as músicas de Beat The Bastards,  disco da banda de hardcore Exploited.  Preferi, meio que por preguiça, meio como uma homenagem ao impacto que o álbum me causou, deixar o texto anterior exatamente como estava e inserir este P.S. aqui, para homenagear esta obra excepcional, rápida, pesadíssima e totalmente sincera em seu ódio contra as injustiças do mundo.

 (texto escrito em 2003)

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