Rápidos comentários sobre livros lidos – 4
Literatura

Rápidos comentários sobre livros lidos – 4

25 de agosto de 2015 0

Tenho uma razoável noção da Segunda Guerra Mundial, graças ao bom número de livros que li sobre o assunto: a guerra em si, o Holocausto, o Terceiro Reich. Por outro lado, o que eu sabia sobre a Primeira Guerra Mundial (a “Grande Guerra”) praticamente se resumia ao que se comenta sobre ela nos livros sobre a Segunda Guerra – principalmente, sobre as duras condições impostas aos derrotados alemães no Tratado de Versalhes, assinado em 1919, que foi um fator decisivo para a deflagração da guerra de 39/45.

Para me informar sobre a “Grande Guerra”, li recentemente “A Primeira Guerra Mundial”, do historiador britânico Michael Howard, da coleção L&PM Pocket Encyclopaedia. O livro é ótimo como introdução ao assunto – e nem se pretende outra coisa -, mas o assunto é complexo demais para suas 150 páginas em formato de bolso. Ao contrário da Segunda Guerra, onde o Bem e o Mal são claramente delimitados para qualquer pessoa com o mínimo de bom senso, na “Grande Guerra” estas noções são muito mais tênues – e o julgamento é mais complicado.


Da mesma coleção L&PM Pocket Encyclopaedia é “Jesus”, de Charles Perrot (127 páginas). O livro conta as mais recentes novidades do estudo de Jesus segundo a história, o chamado “Jesus histórico”. De maneira extremamente didática, o livro fala sobre as fontes de pesquisa, os manuscritos do Mar Morto, os diversos movimentos judeus dos séculos em torno do nascimento de Cristo, das escavações, das análises literária e histórica dos Evangelhos, dos evangelhos apócrifos, e assuntos afins.

“Jesus” é um ótimo livro para todos os interessados, crentes ou não, na história e no ambiente em que viveu o homem (seria só um homem?) que mudou o curso da civilização. Conforme conclui Charles Perrot, “esse Cristo não deixa de ser um homem, e mesmo um crucificado, que o historiador pode designar com maior ou menor precisão, sob o risco de ser interpelado, por sua vez, pelas palavras do Nazareno: ‘E vós, quem dizeis que eu sou?’ (Mc 8, 29)”.


Antes de ser empossado como Papa Bento XVI, o Cardeal Joseph Ratzinger participou de um debate com o filósofo ateu Paolo Flores d’Arcais, em 21 de fevereiro de 2000. Este debate está reproduzido em “Deus existe?”, da Editora Planeta (128 páginas). A primeira parte do livro cabe a Ratzinger, que comenta a crise do catolicismo atual e apresenta os modos de chegar à fé em Deus pela razão. A segunda parte é o debate em si, e a terceira cabe a d’Arcais, que descreve boa parte dos argumentos ateus contra a existência de Deus, e a sua aposta de que é impossível chegar a Deus apenas com o uso da razão. Um debate – e um livro – fascinantes.


Os “Pensamentos”, de Blaise Pascal (Coleção Folha Livros que Mudaram O Mundo), é uma das obras mais importantes da história. Muitos dos pensamentos do autor são realmente difíceis de entender sem um estudo aprofundado – e a tradução, aparentemente muito literal, não ajuda muito -, mas não importa. Em “Pensamentos” temas importantíssimos são apresentados de maneira magistral: a superioridade do cristianismo sobre as demais religiões; a possibilidade da encarnação de Deus na humanidade por meio do Cristo; a dualidade do ser humano, entra a corrupção e a graça; a dificuldade em se chegar à fé em Deus apenas com o uso da razão.


“O Jardim de Cimento” (Companhia das Letras) é uma pequena novela do escritor britânico Ian McEwan, e o terceiro livro que leio do autor – depois dos romances “Sábado” e “Reparação”. A novela conta a história de uma família – composta por pai, mãe, dois meninos e duas meninas – que vive isolada num bairro semiabandonado. Logo no início do livro o pai falece. A mãe, mais tarde, vai definhando aos poucos devido a uma doença grave, até que falece, deixando os filhos órfãos na casa. Eles preferem não comunicar a ninguém a morte da mãe, e enterram seu cadáver em um baú, e jogam concreto lá dentro. Isto, claro, trará graves consequências.

Embora o estilo não seja tão primoroso quanto em “Sábado” e “Reparação”, a história contada em “O Jardim de Cimento”, além de ser muito bem escrito, tem um impacto no leitor semelhante ao daquelas duas obras. O problema com Ian McEwan do livro – como acontece, aliás, com “Sábado” (mas não com “Reparação”, é preciso que se  diga) – é que seus personagens não transmitem praticamente nenhuma empatia. Citando Antonio Callado em sua crítica de “O Jardim de Cimento” na Folha de São Paulo: “ao acabar de ler esse pequeno romance a rainha Vitória diria: ‘We are not amused’”.


Falta de empatia com os personagens é uma característica que o leitor de Philip Roth simplesmente não sente. Alguns de seus melhores tipos são intensos, trágicos e contraditórios como os personagens de uma tragédia grega. Não por acaso, o personagem principal do excelente “A Marca Humana” (Companhia das Letras), Coleman Silk, é um professor judeu de cultura clássica – especialista em tragédias gregas, portanto. Ele é acusado injustamente de racismo, e a investigação que o escritor Nathan Zuckerman (alter-ego de Roth, presente em diversas de suas obras) faz sobre a sua vida acaba por descobrir um lado totalmente inseperado de Silk.

“A Marca Humana” é um painel extraordinário e multifacetado dos Estados Unidos do século XX, a partir da época em que o racismo era tão profundo que era defendido por lei, até os tempos atuais, dominados por um pensamento politicamente correto tão radical que chega às raias da irresponsabilidade – passando ainda pelos traumas da Guerra do Vietnã. Não só a personagem de Silk, mas aquelas que orbitam em torno dele – a professora feminista que é seu algoz no processo injusto de racismo, a amante ignorante do professor e o marido dela (um ex-combatente alucinado e violento da Guerra do Vietnã) – são fascinantes, descritos com uma profundidade e um realismo extraordinários até mesmo para os padrões  literários já muito altos de Roth. A maneira com a qual a história é contada, de maneira não cronológica, é brilhante, onde acontecimenos recentes são apresentados de maneira superficial, e seu real significado vai sendo desvendado aos poucos.


Já a praia do francês J.M.G. Le Clézio, Prêmio Nobel de 2008, é outra. Ao contrário de Philip Roth, ele não pretende apresentar um painel multifacetado da sociedade. Seu interesse, em livros como este extraordinário “Étoile Errante” (Gallimard, sem edição brasileira), é mostrar a vida dos pobres, dos desvalidos, dos desesperançados. No romance, Esther é uma menina judia que consegue a duras penas sobreviver à dominação nazista na Europa. Depois da guerra ela consegue chegar a Jerusalém, refúgio para os judeus perseguidos, onde encontra rapidamente Nejima, garota árabe foragida da guerra entre árabes e judeus – o encontro é tão rápido quanto tocante.

A prosa de Le Clézio é frequentemente monótona e simples, mas a grandeza da história e a emoção que ele consegue transmitir ao leitor são profundas. Desculpem a brincadeira, mas Ian McEwan deveria aprender um pouco de humanidade com Le Clézio – um gigante que não tem nada a aprender com quem quer que seja.


“Age of iron”, do Prêmio Nobel de 2003, o sul-africano J.M. Coetzee (Penguin Books, 200 páginas – há uma edição brasileira, chamada “A idade do ferro”, da Siciliano, esgotada), é um livro doloroso. O romance conta a história de Mrs. Curren, uma professora de cultura clássica aposentada morando na Cidade do Cabo, que vive sozinha e sofre de câncer, aparentemente terminal. Sua filha única abandonou a África do Sul, como tantas outras pessoas de sua geração que viviam no país antes do fim do apartheid, e mora com o marido nos Estados Unidos. O filho de sua empregada negra é perseguido pela polícia e assassinado – nem precisa se dizer que não há a menor perspectiva de que se faça justiça neste caso. A única companhia de Mrs. Curren é um mendigo que vive nas ruas junto com seu cão, por quem ela vai se afeiçoando aos poucos.

A África do Sul  antes do fim do apartheid pintada por Coetzee é um país violento e sem esperanças. Grande escritor  que é, ele não pinta um retrato maniqueísta da situação: as facções em luta, sejam elas compostas por negros como por brancos, são agressivas, desesperançadas e avessas ao diálogo. A relação de Mrs. Curren com a filha distante – o livro todo é uma longa carta que a professora aposentada quer mandar para ela – mistura, de maneira crua, um profundo amor materno com um sentimento de intensa mágoa pelo abandono da filha. A relação de Mrs. Curren com o mendigo Vercueil é tanto repulsiva – pelo alcoolismo e péssimo estado de higiene dele – quanto tocante. As dores e os sofrimentos sentidas por Mrs. Curren são descritos de maneira crua. “Age of iron” é tanto um grande livro quanto um grande soco no estômago.


“100 escovadas antes de ir para a cama”, da italiana Melissa Panarello (Objetiva), foi um sucesso e um grande escândalo na Itália quando de seu lançamento, em 2003. Explica-se: o livro são as memórias sexuais – segundo a autora, verdadeiras – de Melissa, enquanto ela ainda tinha em torno quinze anos. Com esta idade, ela participou de orgias com até cinco homens, sexo lésbico e diversas relações com diferentes homens de diferentes idades – todas estas descritas com riqueza de detalhes em seu livro. Segundo a autora, ela não se arrepende de nada.

Entre as diferentes possibilidades apresentadas pelo livro, parece que Melissa Panarello faz o que faz para chamar a atenção dos pais, que não ligavam muito para ela. Em uma das passagens “100 escovadas antes de ir para a cama” (estas escovadas no cabelo eram o ritual que ela fazia antes de dormir), ela se queixa do pai nos seguintes termos: “quando saí de casa, meu pai estava sentado no sofá olhando a telinha com expressão distante. Com ar apático, perguntou aonde eu ia, mas achei desnecessário responder, já que não importa o que eu dissesse, a expressão de seu rosto não mudaria, ele continuaria ali passivamente.” Além disso, como boa parte das adolescentes sonhadoras, ela deseja encontrar um amor de verdade – e acaba encontrando. Ou seja, “100 escovadas antes de ir para a cama” é um livro de uma menina com mentalidade de adolescente, mas com costumes de uma adulta promíscua.


A poesia erótica se iniciou praticamente junto com a escrita, e e poemas eróticos são escritos até hoje. “Poesia erótica em tradução de José Paulo Paes”, da Companhia de Bolso (200 páginas), não se pretende uma coletânea aprofundada sobre o assunto. O objetivo confesso do compilador e tradutor, falecido em 1998, é fazer uma obra não de erudição, mas de divulgação: ambiciona “tão-só oferecer ao aficionado de poesia um elenco de textos que não fosse tão grande a ponto de tornar a leitura cansativa nem restrito a ponto de não ter o mínimo de representatividade”. A coletânea começa com Discórides, grego do século III a.C., e vai até Joyce Manur, falecida no início dos anos 80, em data que José Paulo Paes não conseguiu apurar. No meio de, entre outros, divertidas adivinhações eróticas medievais, poesias surrealistas e poemas erótico-líricos, o destaque vai para os brilhantes poemas gregos antigos, algumas poesias da época da Restauração Inglesa (a partir de 1660), e as poesias escolhidas de Goethe, Verlaine, D.H. Lawrence e da já citada Joyce Mansur.

(publicado no blog do Mondo Bacana em 21 de janeiro de 2011)

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