Pnin, de Vladimir Nabokov
Literatura

Pnin, de Vladimir Nabokov

5 de julho de 2015 0

Jorge Luis Borges escreveu o seguinte: “Toda a boa literatura é uma forma de alegria, e nenhum autor me deu tantas alegrias quanto Chesterton”. Acho que o “meu Chesterton” é Vladimir Nabokov. Não sei se outro escritor me diverte tanto. Seus livros são sempre surpreendentes.

“Fogo pálido”, por exemplo, começa com um poema de umas trinta páginas, e as quase duzentas seguintes são notas (muitas deles delirantes) sobre este poema. Em “Desespero”, o narrador acha que encontrou um duplo (alguém exatamente igual a ele), mas o restante do mundo discorda: é um exemplo espetacular da técnica de Nabokov de criar narradores pouco confiáveis. Como o pedófilo Humbert Humbert, o narrador de “Lolita”, que tenta o tempo todo mostrar que não é assim tão mau. “Lolita” é o livro mais conhecido de Nabokov, e é tão impressionante que as pessoas achavam (erradamente) que o escritor – que era casado e tinha uma vida regrada e discreta – também era pedófilo.

“Ada ou ardor”, possivelmente o meu Nabokov preferido, é um romance delirante de mais de seiscentas páginas sobre a paixão tórrida de um casal de primos que na verdade é um casal de irmãos. A história, para se ter uma ideia, não se passa na Terra, mas na “Antiterra”, um planeta irmão. As obsessões e temas de Nabokov estão todos lá: a vida dos emigrados russos na Europa ou na América do Norte devido à Revolução Comunista de 1917 (caso do próprio Nabokov); o amor pelo xadrez; o estudo da zoologia e da botânica (o escritor era um reconhecido entomologista); os jogos de palavras; o gosto pelo escabroso; as situações cômicas; as expressões em russo – sempre com função narrativa. Mesmo nos livros de Nabokov que gostei menos, como “Gargalhada na escuridão” (que o próprio escritor achava o seu pior) ou “A verdadeira vida de Sebastian Knight”, não tive um momento de tédio.

Recentemente terminei de ler “Pnin”, a história de um professor russo emigrado, Timofey Pnin, que dava aulas numa universidade americana – como o próprio Nabokov, aliás. O personagem que escreve o livro não tem seu nome citado e é outro professor russo emigrado – e que além disso gostava de colecionar borboletas. Seria o próprio Nabokov?

Ao final do livro, ficamos meio sem saber o que achar de Timofey Pnin: afinal de contas, o narrador debocha o tempo todo de seu personagem; e não ajuda nada os episódios contados serem tão distantes no tempo, com muito pouco ligando uns aos outros. Timofey Pnin é uma personalidade complexa: ao mesmo tempo em que alunos e professores riem dele por seu formalismo e falta de adaptação ao mundo universitário americano, ele é honesto e bastante dedicado ao trabalho. Normalmente se diz que “Pnin” é um retrato da falta de adaptação dos russos emigrados ao Novo Mundo. Faz sentido. O livro é engraçado e triste ao mesmo tempo: enquanto em muitos trechos se tem vontade de rir alto, à medida em que se caminha para o final um travo amargo vai crescendo durante a leitura. E a última cena, com Timofey Pnin indo embora da universidade após ter sido despedido, mas sem aparentar grande tristeza, é uma mostra destes dois lados da moeda.

(publicado no blog do Mondo Bacana em 2015)

 

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