Dois príncipes
Literatura

Dois príncipes

4 de julho de 2015 0
O meu nome foi inspirado no personagem Príncipe Fabrizio di Salina, do livro “O Leopardo”, escrito pelo também príncipe Giuseppe Tomasi di Lampedusa. Li o romance na adolescência, mas não me lembrava de praticamente nada. Eu me recordava de alguma coisa do filme (também clássico e dirigido pelo grande Luchino Visconti), que assisti há mais de dez anos. Sempre quis reler o livro cujo personagem inspirou meu nome – o que acabei fazendo poucos dias atrás.

“O Leopardo” (não por acaso comparado às vezes com “Guerra e Paz”, de Leo Tolstoy) conta, através de seus personagens, a história das grandes transformações pelas quais passou a Itália no sec. XIX, época de sua reunificação. O Príncipe Fabrizio di Salina é um nobre senhor de terras que é obrigado a vender as suas propriedades, aos poucos, para sustentar os gastos da família e do castelo onde vive. Mas ele ainda é rico o bastante para não precisar trabalhar: para cultivar o ócio, divide-se entre amantes, caçadas e uma bela carreira de astrônomo amador (chega a ganhar prêmios oficiais de astronomia).

Apesar de ter vários filhos, sua preferência vai para o sobrinho Tancredi, filho órfão de sua irmã com um nobre arruinado. O grande acontecimento do livro é o casamento de Tancredi com Angelica, a filha de don Calogero – um plebeu burguês que tinha enriquecido enormemente comprando terras: aos olhos do nobre Fabrizio Salina, poucas coisas poderiam rivalizar em vulgaridade com a sovinice e a falta de requinte do pai de Angelica. Mas o Príncipe e seu sobrinho sabem perfeitamente discernir os rumos da história que está se desenrolando debaixo de seus olhos: apesar de nobre, Tancredi se une aos revoltosos que, sob o comando de Garibaldi, batalham pela unificação de Itália (é do personagem Tancredi a famosa frase “tudo deve mudar para que tudo fique como está”), enquanto que Fabrizio di Salina (com um pouco de amargura, diga-se de passagem) permite que seu sobrinho case com a linda filha do burguês novo-rico. “O Leopardo” é um daqueles romances clássicos em que os personagens fazem o que fazem por estarem imersos em um período histórico específico.

Muito diferente é “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry, que reli também pouco tempo atrás, na nova tradução de Ferreira Gullar. (Já o tinha lido duas vezes: uma, praticamente na infância, quando não tinha entendido o que Saint-Exupéry queria dizer; e outra, muitos anos depois, quando percebi que o grande J.M.G. Le Clézio deve ter se inspirado no Pequeno Príncipe para criar sua escrita poética.) O livro de Saint-Exupéry, o preferido de James Dean, é totalmente atemporal. Seus temas – o amor, a perda e a recuperação da inocência infantil, a pureza de intenções, a crítica à mesquinharia e à fraqueza humanas (nos personagens, por exemplo, do rei, do bêbado, do empresário, do vaidoso) -, suas frases célebres – “o essencial é invisível aos olhos”, “você é eternamente responsável por aquilo que cativou” (na versão de Ferreira Gullar) – e seu fascinante personagem principal (um “príncipe” bem diferente de Fabrizio di Salina!) não têm nenhuma relação com algum período histórico específico. Eles têm a ver com a própria existência humana, em qualquer época, em qualquer lugar.

(texto publicado no blog do Mondo Bacana em 2014)

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