Georges Simenon
Literatura

Georges Simenon

3 de julho de 2015 0

Eu tinha lido uma longa e elogiosa reportagem sobre o escritor belga Georges Simenon na Folha de São Paulo (sobre o lançamento de todos os seus livros estrelados pelo personagem Maigret pela Companhia das Letras). Tinha achado interessante, mas não a ponto de correr atrás. Posso afirmar, meio de brincadeira, que Simenon veio até mim: eu estava esperando na fila da padaria e vi, junto com outros livros de bolso da L&PM, o romance “Maigret hesita”. Acabei comprando.

Situando a coisa: eu tinha lido uns dois ou três livros de Simenon no início da adolescência, depois de ler uns dez da Agatha Christie (era quase criança, pensando bem: antes da autora inglesa, quase que só tinha lido Monteiro Lobato). Gostei dos livros de Simenon mas, de lá para cá, praticamente deixei a literatura policial de lado. Histórias do tipo “o criminoso é o mordomo” já não me atraíam mais.

Dada a minha pouca atenção ao estilo, era de se esperar mesmo que eu tivesse começado “Maigret hesita” sem a maior das expectativas. Mas que surpresa! O livro estava muito distante de ser um daqueles da Agatha Christie, em que todo o foco vai para a resolução de um crime. Nada disso. Simenon ia contando a história aos poucos, com uma profundidade psicológica notável. Os personagens pareciam reais, e questões éticas iam aparecendo a todo tempo. Tudo isso com uma sutileza notável, já que muito do que era contado não era exatamente dito, mas sugerido.

Fiquei tão fascinado que acabei lendo vários outros livros de Simenon, todos com o comissário Maigret (o decifrador de crimes que está para Simenon como Hercule Poirot está para Agatha Christie): “Maigret e o fantasma”, “Maigret e o matador”, “Maigret se defende”, “Maigret e o ladrão preguiçoso”, “Maigret e os colegas americanos”. E por aí vai. Cada um deles com os profundos dramas dos personagens (vítimas e perpetradores), com a grande compreensão humana de Maigret, com a prosa límpida de Georges Simenon, com a descrição detalhada do dia-a-dia de um comissário da Polícia Judiciária de Paris. As histórias vão sendo contadas aos poucos: os crimes parecem até secundários diante do clima que Simenon cria. Além disso, o escritor – que assumia ter tido centenas de amantes – cria uma linda relação, de afeto e cumplicidade, de Maigret com sua esposa.

O livro mais recente de Simenon que li, “Maigret e o mendigo”, tem tudo isso e uma definição do trabalho do comissário que vale a pena registrar: “Maigret raramente conversava com sua mulher sobre uma investigação em andamento. Aliás, geralmente não a discutia com colaboradores mais próximos, contentando-se em lhes dar instruções. Isso estava ligado à sua forma de trabalhar, de tentar compreender, de se impregnar pouco a pouco da vida de gente que ele não conhecia na véspera.” E assim fazemos os milhões de leitores de Simenon mundo afora: nos impregnamos, aos poucos, com suas histórias.

(texto publicado no blog do Mondo Bacana em 2014)

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