You can see the gladness in their eyes
Música

You can see the gladness in their eyes

27 de junho de 2015 0

Você pode ver a alegria nos olhos deles. Esta frase eu li numa Spin que saiu em torno de 1992-1993, e ela versava sobre a reação do público a um show do L7. Estávamos no ápice do movimento grunge, o L7 estava no auge do sucesso, era mais ou menos esperado que o público ficasse feliz em assistir a um show do grupo.

Na verdade, esta frase só ficou marcada para mim em sua versão integral: “só existe algo parecido no culto de Morrissey – você pode ver a alegria nos olhos deles”. A alegria nos olhos do público do Morrissey. É isso. Quando do seu show em Curitiba em 2000, eu mesmo fiquei impressionado com a felicidade de todos no final do espetáculo, conforme mostrei numa resenha publicada na Gazeta do Povo. A revista inglesa Vox escreveu o seguinte a respeito de um show dele em Motherwell, Inglaterra: no other musician “enjoys” this level of fervour and obsession. There is nothing else like it anywhere. For one night only, Motherwell is the centre of the pop world.

Exageros à parte, existem fortes indicações de que, pelo menos na música atual, não há realmente nada parecido com o culto de Morrissey. Quem costuma ler publicações sobre música tem grandes chances de saber a situação atual do cantor: sem gravadora há cinco anos, sem novo disco lançado desde 1997, Morrissey fez uma tournée em 2002 em diversos locais do globo, quase sempre com lotação esgotada. Só por estes motivos o sucesso de suas apresentações recentes já é inesperado, mas a isto some-se o fato de que várias de suas atitudes parecem coisa de quem quer dificultar a própria carreira. Por exemplo, as setlists de seus shows são estranhas, contemplando em sua maior parte canções mais ou menos obscuras de sua carreira solo. Ele também não faz praticamente nenhuma autopromoção: dá pouquíssimas entrevistas (nas quais não fala bem de ninguém e se queixa de tudo e de todos) e nem faz propaganda de campanhas de ajuda humanitária e/ou ecológica (fora o vegetarianismo). Aliás, muito pelo contrário, nos últimos anos ele apareceu na grande imprensa de forma quase sempre negativa (seja pela campanha difamatória da NME, que o acusou irresponsavelmente de racismo, ou pelo rumoroso processo que o baterista dos Smiths moveu contra ele).

Apesar de tudo isto, o público comparece em grande número a seus shows. Mais do que isto, uma quantidade considerável de seus fãs costuma assistir a mais de uma apresentação em suas tournées, viajando enormes distâncias para assistir seu ídolo. O que o seu público quer, o leitor já deve ter percebido onde quero chegar, é sentir alegria. A alegria que podemos ver nos olhos deles.

Mas a imagem do Morrissey não é a do cantor dos deprimidos, dos inseguros? No é dele a letra de Heaven knows I’m miserable now (O céu sabe que estou deprimido agora)? De Maladjusted (Desajustado)? De He Cried (Ele chorou)? Não é ele que canta I am a poor freezingly cold soul / So far from where / I intended to go (Eu sou uma pobre alma congelada / tão distante  de onde / eu quero chegar)? No é ele que canta If you’re so funny / Then why are you on your own tonight? / And if you’re so clever / Then why are you on your own tonight? / If you’re so very entertaining / Then why are you on your own tonight? / If you’re so very good-looking / Why do you sleep alone tonight? / I know… / ‘Cause tonight is just like any other night / That’s why you’re on your own tonight / With your triumphs and your charms / While they’re in each other’s arms…? Como um sujeito que canta este tipo de coisa pode trazer alegria a seus fãs?

Eu creio que este não é um aspecto suficientemente comentado quando o assunto é Morrissey. As resenhas escritas por aí quase sempre notamo lado da depressão de suas letras, mas quase nunca notam o lado da redenção. Ou, ainda: os críticos frequentemente reparam na tristeza, mas poucas vezes notam a alegria levada a quem o escuta. Na verdade, estou sendo ironicamente injusto: quando, numa resenha ou numa crítica, o jornalista dá voz a algum fã do cantor, aí sim nós podemos ter uma ideia do quanto Morrissey (de uma maneira inesperada para quem conhece suas letras superficialmente) entende, consola e dá apoio a quem o escuta. Quase sempre os fãs citam o quanto Morrissey faz bem para eles, o quanto ele lhes dá apoio nas tristezas e nas dificuldades da vida. E raramente o jornalista  leva a sério este aspecto dos seus admiradores.

Mas, pelo visto, esta incompreensão de grande parte da mídia é um problema menor para os fãs – como eu.

(texto escrito em 2002)

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