Delírios: Virgem Louca – O Esposo Infernal, de “Uma temporada no Inferno” (tradução de Rimbaud)
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Delírios: Virgem Louca – O Esposo Infernal, de “Uma temporada no Inferno” (tradução de Rimbaud)

11 de junho de 2015 2

Ouçamos a confissão de uma companheira de inferno:

“Oh divino Esposo, meu Senhor, não recuse a confissão da mais triste de suas criadas. Estou perdida. Estou bêbada. Estou impura. Que vida!

“Me perdoe, divino Senhor, me perdoe! Ah! Perdão! Quantas lágrimas! E espero ainda muitas lágrimas, mais tarde!

“Mais tarde, eu conhecerei o divino Esposo! Eu nasci submissa a Ele. – O outro pode me derrotar agora!

“Agora estou na parte inferior do mundo! Ó minhas amigas! … Não, não minhas amigas… Nunca delírios ou torturas semelhantes… Que idiota!

“Ah! Eu sofro, eu choro. Eu sofro verdadeiramente. No entanto, tudo me é permitido, sob o peso do desprezo dos mais desprezíveis corações.

“Enfim, façamos esta confidência, ainda que a repitamos vinte outras vezes, – tão melancólica, tão insignificante!

“Eu sou escrava do esposo infernal, aquele que perdeu as virgens loucas. É bem este diabo. Não é um espectro, não é um fantasma. Mas eu, que perdi a sabedoria, que estou condenada e morta para mundo, – eles não vão me matar! – Como descrever para você! Eu não sei nem falar mais. Estou em luto, choro, tenho medo. Um pouco de frescor, Senhor, se vós quereis, se vós quereis verdadeiramente!

“Eu sou viúva … – Eu era viúva … – mas sim, eu era muito séria antigamente, e eu não nasci para virar esqueleto! … – Ele era quase uma criança… Suas iguarias misteriosas me seduziram. Esqueci todo meu dever humano para segui-lo. Que vida! A vida de verdade está ausente. Nós não estamos no mundo. Eu sei aonde ele vai, é necessário. E muitas vezes ele se prevalece disso contra mim, a pobre alma. O demônio! – é um demônio, você sabe, não é um homem.

“Ele diz: ‘eu não gosto de mulheres. O amor tem que ser reinventado, como se sabe. Elas só podem querer uma posição segura. Obtida esta posição, coração e beleza são colocados de lado: só resta o frio desprezo, o alimento do casamento dos dias de hoje. Ou então vejo mulheres com sinais de felicidade, das quais, eu, eu poderia fazer boas companheiras, devoradas imediatamente por brutamontes sensíveis como fogueiras…‘

“Eu o escuto fazendo da infâmia uma glória, da crueldade um charme: ‘Eu sou de uma raça distante: meus antepassados ​​eram escandinavos: eles traspassaram as próprias costelas, bebiam seu próprio sangue. – Eu me farei cortes por todo o corpo, me tatuarei, quero me tornar hediondo como um mongol: você vai ver, eu vou gritar nas ruas. Eu quero me tornar um louco de raiva. Nunca me mostre joias, eu vou rastejar e me contorcer sobre o tapete. Minha riqueza, gostaria de vê-la manchada de sangue por toda parte. Eu nunca vou trabalhar…’ Muitas noites, seu demônio se apoderando de mim, nós nos rolamos, eu estava lutando com ele! – Às noites, frequentemente, bêbado, ele se coloca em ruas ou casas para me assustar mortalmente. – ‘Realmente vão me cortar o pescoço; será nojento.’ Oh! estes dias em que ele quer caminhar com um ar criminoso!

“Às vezes ele fala em um patois suavizado, da morte que traz arrependimento, das aflições que existem com certeza, dos trabalhos dolorosos, das partidas que dilaceram os corações. Nos casebres onde nos embebedávamos, ele chorava pensando naqueles à nossa volta, gado da miséria. Ele levantava os bêbados nas ruas escuras. Ele tinha a piedade de uma mãe malvada para com seus filhinhos. – Ele tinha a gentileza de menininha no catecismo. – ele fingia saber tudo, comércio, arte, medicina. – Eu o seguia, é preciso!

“Eu via toda a decoração com a qual, em espírito, ele se cercava; roupas, lençóis, móveis: eu lhe emprestava armas, um outro aspecto. Eu via tudo o que lhe tocava, como ele gostaria de tê-lo criado. Quando ele me parecia estar com o espírito inerte, eu o seguia em ações estranhas e complicadas, distantes, boas ou más: eu estava segura de jamais entrar em seu mundo. Ao lado de seu querido corpo adormecido, quantas horas eu velei, querendo entender por que ele queria tanto se evadir da realidade. Jamais um homem fez semelhante juramento. Eu reconhecia, – sem temer por ele – que ele poderia ser um sério perigo para a sociedade.  – Quem sabe ele tenha segredos para mudar a vida? Não, só o que ele faz é procurá-los, me respondia. Enfim, sua  caridade está enfeitiçada, e sou prisioneira dela. Nenhuma outra alma terá força suficiente, – força de desespero! – para suportá-la, – para ser protegida e amada por ele. Além disso, eu não me imaginava com outra alma: vê-se seu Anjo, jamais o Anjo de outro, – eu acho. Eu estava em sua alma como em um palácio que foi esvaziado para que não fosse possível ver uma pessoa tão pouco nobre quanto você: isso é tudo. Ai de mim! Eu dependia dele também. Mas o que ele queria com a minha existência monótona e covarde? Ele não me fazia melhor, se ele não me matava! tristemente divergente, eu lhe digo às vezes: ‘Eu te compreendo’. Ele dava de ombros.

“Então, a minha dor se renova sem parar, e me encontrando perdida em seus olhos, – como em todos os olhos que teriam querido me fixar, se eu não tivesse sido condenada para sempre ao esquecimento de todos! – eu tinha mais e mais fome de sua bondade. Com seus beijos e abraços fraternos, era bem um céu, um céu escuro, onde eu entrava, e onde eu queria ser deixada, pobre, surda, muda, cega. Eu já estava me habituando. Eu nos via como duas crianças boas, livres para passear no Paraíso de tristeza. Nós estávamos de acordo. Bem emocionados, nós trabalhávamos juntos. Mas, depois de uma carícia penetrante, ele dizia: ‘Como vai lhe parecer engraçado, quando eu me for, tudo por que você passou. Quando você não tiver mais meus braços em torno do seu pescoço, nem meu coração para você descansar, nem esta boca sobre os seus olhos. Porque será preciso que eu me vá, muito longe, um dia. Então eu deverei ajudar outros: é o meu dever. Embora quase nunca apetitoso …, querida alma …’ Imediatamente eu pressenti, ele tendo ido, eu presa de vertigem, precipitada para a sombra a mais terrível: a morte. Eu o fazia prometer que não me deixasse. Ele a fez vinte vezes, esta promessa de amante. Isto era tão frívolo como quando eu lhe dizia: ‘Eu entendo você’.

“Ah, eu nunca tive ciúmes dele. Ele não vai me deixar, eu acho. O que passar a ser? Ele não tem um conhecimento; ele não trabalhará jamais. Ele quer viver sonâmbulo. Sós, sua bondade e caridade lhe dariam direitos no mundo real? Por instantes, eu esqueço a situação de dar dó onde caí: ele vai me tornar forte, nós viajaremos, nós caçaremos nos desertos, nós vamos dormir em calçadas de cidades desconhecidas, sem cuidados, sem penas. Ou vou me acordar, e as leis e os costumes terão se modificado – graças a seu poder mágico, – o mundo, mantendo-se o mesmo, vai me deixar para os meus desejos, alegrias, indiferenças. Oh! a vida de aventuras que existe nos livros infantis, para me recompensar, eu tenho sofrido tanto, você vai me dar? Ele não pode. Eu não sei o seu ideal. Ele disse ter arrependimentos, esperanças: isto não deve ter nada a ver comigo. Ele conversa com Deus? Talvez eu devesse me voltar para Deus. Estou nas profundezas do abismo, e esqueci como orar.

“Se ele explicasse suas tristezas, eu as compreenderia mais que suas zombarias? Ele me ataca, passa horas me fazendo sentir vergonha de tudo o que já pôde me importar no mundo, e fica indignado se eu choro.

“‘- Você vê este jovem elegante, entrando em sua bela e calma casa : o nome dele é Duval, Dufour, Armand, Maurice, que sei eu? Uma mulher se devotou  a amar este idiota perverso: ela morreu, certamente é uma santa no céu agora. Você vai me fazer morrer como fez morrer aquela mulher. Este é o nosso destino, corações caridosos … Ai de mim!’ Havia dias em que todos os homens lhe pareciam brinquedos de delírios grotescos: ele ria de maneira hedionda, durante muito tempo. – Então ele retomou suas maneiras de jovem mãe, de irmã amada. Se ele fosse menos selvagem, nós seríamos salvos! Mas sua doçura é também mortal. Eu lhe estou submissa. – Ah! Eu sou louca!

“Um dia talvez ele vai desaparecer maravilhosamente; mas é preciso que eu saiba, se ele deve subir ao céu, que eu assista um pouco da ascensão do meu namorado!”

Estranho casal!

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There are 2 comments

  • Rafaela disse:

    Gostaria de saber quem traduziu, obrigada.